Fenómenos extremos, como a seca, marcam aniversário do Acordo de Paris

Ambientalistas portugueses fazem balanço: os países não estão a fazer o que deviam.

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Marcha pelo clima, em Lisboa, em Novembro de 2015 Miguel Manso

A decisão norte-americana de abandonar o Acordo de Paris sobre alterações climáticas e a falta de ratificação do mesmo por alguns países marcam o primeiro aniversário deste compromisso. A situação “muito delicada” em termos climáticos, com vários fenómenos extremos, nomeadamente a seca em Portugal, chamam a atenção para a necessidade de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, dizem os ambientalistas portugueses contactados pela Lusa.

O ano de 2016 “foi acima de tudo de alerta porque, em termos de emissões, os dados disponíveis acabam por até ser positivos, mas longe daquilo que o Acordo de Paris exige”, resume o presidente da Associação Sistema Terrestre Sustentável, Zero.

Francisco Ferreira explica que houve, à escala mundial, uma estabilização das emissões, sem que isso signifique uma crise económica, o que “é encorajador”, mas o mundo está longe de conseguir a separação entre continuar a acomodar mais população — e proporcionar melhor qualidade de vida — e reduzir as emissões.

Estas são sempre cumulativas e o fenómeno climático El Niño contribuiu para o recorde de dióxido de carbono na atmosfera em 2016.

“O nosso limite para assegurarmos que não vamos aumentar (a temperatura global) mais do que 2ºC [Celsius], principalmente procurando assegurar que vamos tentar ficar por um aumento de 1,5ºC, está cada vez mais em risco”, adverte o especialista em alterações climáticas.

Para o presidente da Quercus, João Branco, um dos pontos mais importantes do primeiro ano de vigência do Acordo de Paris, que se assinala no sábado, foi o anúncio do Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, da intenção de abandonar os compromissos assumidos, “embora não se saiba quando ou se vai mesmo abandonar”.

Refere igualmente as duas vertentes importantes para o cumprimento das metas das emissões, uma delas tem a ver com a queima de petróleo, outra com a ocupação do solo, nomeadamente com a manutenção das florestas.

“Se formos ver a lista dos países com importância que não ratificaram o Acordo de Paris, embora o tenham assinado, em muitos estão a acontecer as duas coisas — extracção de petróleo e destruição de floresta [ambos] em larga escala”, explica João Branco, dando os exemplos de Angola, Colômbia, República Democrática do Congo, Irão, Iraque, Kuwait, Líbia, Moçambique, Rússia (onde “está a acontecer a maior desflorestação da actualidade”) e Turquia.

Alguns são países produtores de petróleo que “não estão interessados minimamente em que este Acordo de Paris vá para a frente”, afirmou João Branco, que manifesta também preocupação com a alteração do uso da terra e da floresta na União Europeia.

“Estamos numa situação muito delicada em termos climáticos, os países não estão a fazer o que deviam, que é diminuir o consumo de energias fósseis, e não há vontade política, apesar de toda a retórica, para levar isto para a frente”, advertiu o presidente da Quercus, apontando como positivo o desenvolvimento da energia solar.

Do lado da Zero, Francisco Ferreira salienta que, “do ponto de vista prático, 2016 tem sido à escala mundial um ano onde os impactes das alterações se têm tornado mais visíveis”, como em Portugal, com a seca e os incêndios de grandes dimensões. “É curioso também ver que são factos que acabam por estar relacionados em 2003, 2005, 2012 e agora 2017”.

“Acabamos por perceber ainda melhor, infelizmente o mundo esteve a olhar para nós, a necessidade enorme de nos adaptarmos às alterações climáticas e acima de tudo de reduzirmos as emissões”, concluiu, recordando que outros pontos do mundo, do Chile à China ou EUA, também assistiram a fenómenos climáticos, alguns relacionados com o El Niño.

Quanto às preocupações com a falta de acções concretas, o especialista da Zero recorda que se sabia que até 2018 “havia todo um trabalho a ser feito para essas decisões serem tomadas” e no próximo ano está previsto um “diálogo facilitador” com compromissos para metas mais apertadas, depois incorporadas em 2020.

“O Acordo de Paris ainda não está regulamentado e só vai estar dentro de aproximadamente um ano”, lembrou o presidente da Zero.

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