O Orçamento da concórdia à esquerda

A primeira fase do terceiro orçamento da “geringonça” já está ultrapassada. O OE2018 segue para a especialidade sob críticas da direita e ainda com algumas interrogações sobre a factura dos incêndios.

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“Sim, fizemos muito e diferente. Afinal, era possível”, vincou o ministro Mário Centeno ANTÓNIO COTRIM/LUSA
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Esquerda aprovou proposta de Orçamento do Estado para 2018 na generalidade ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Sem a euforia do Orçamento de 2016, sem as ressalvas do de 2017 em que BE, PCP e PEV faziam questão de dizer, à vez, que aquele não era ainda o seu orçamento, a proposta de Orçamento do Estado para 2018 (OE2018) foi aprovada num ambiente de maior concórdia à esquerda do PS. Como era esperado, a direita votou contra e o PAN absteve-se.

Num documento em que o valor do défice deixou de ser “novidade” como assinalou o ministro Pedro Marques, Bloco, PCP e PEV elogiaram a estratégia que o Governo continua a trilhar na devolução de rendimentos e direitos. Se nos últimos orçamentos estes partidos enfatizavam que ainda havia um longo caminho a percorrer, desta vez quase assumem como seus os “avanços”, embora continuem a mostrar discordância no cumprimento estrito das regras europeias. Mariana Mortágua, do BE, deu voz a esse descontentamento dizendo a Mário Centeno que não se compreende por que Portugal insiste em ter um défice mais exigente do que a meta fixada por Bruxelas.

Apesar de ter já satisfeito grande parte das exigências dos parceiros à esquerda, o Governo continua a deixar escancarada a porta para fazer mais alterações na especialidade – depois de o ter dito no plenário, essa foi a única mensagem que António Costa deixou à saída, já com o documento aprovado.

Com a factura dos incêndios e da reforma da protecção civil e da floresta para pagar – num valor que ainda nem sequer se conhece -, serão poucos os coelhos a tirar da cartola na especialidade, ao contrário do que aconteceu no ano passado com o aumento de pensões (o extraordinário deste ano até já está garantido). Foi o ministro das Finanças que deixou o aviso sobre a fraca margem, realçando que as propostas de alteração terão que ser orçamentalmente neutras.Ideia que BE e PCP tentaram rebater, lembrando que este Governo está a ir além das metas do défice, acabando por ser um orçamento aprovado à esquerda mas que cumpre os objectivos orçamentais da direita.

A subserviência ao défice e às regras europeias foi um dos argumentos que o líder parlamentar bloquista usou para dizer que este orçamento “não é do Bloco de Esquerda”. Ao mesmo tempo, Pedro Filipe Soares disse que o documento “também não é do PS” por incorporar medidas que não estão no programa socialista e que foram resultado de propostas do Bloco.

Jerónimo de Sousa quase não se queixou da proposta do orçamento, apontando apenas a sua discordância da opção de subserviência do Governo a Bruxelas e até afirmou ter “muito orgulho em poder dizer que as medidas positivas têm intervenção do PCP”. Também o PEV fez rasgados elogios sobre a reposição de direitos, rendimentos e justiça fiscal da proposta do Governo. Há “constrangimentos” mas são sobretudo externos, “desde logo pela dívida pública”, disse o ecologista José Luís Ferreira, numa posição comungada pelos três partidos.

Apesar disso, há alertas, nomeadamente sobre o descongelamento na função pública, por poder deixar de fora algumas carreiras como as forças de segurança e os professores – exigência que estará na base da nova greve dos docentes marcada para dia 15.

Guerra com Vieira da Silva

Para além das sucessivas recordações sobre o que foi a governação PSD/CDS e sobre o que pretenderiam fazer estes partidos, se se mantivessem no poder, os socialistas exploraram o momento frágil da liderança social-democrata para atacar as políticas de Passos Coelho.

Foi num desses momentos, quando o ministro Vieira da Silva afirmou que o anterior Governo propôs um corte de 600 milhões de euros no sistema de pensões que os ânimos se exaltaram. O social-democrata acusou o ministro de desonestidade, de inventar a proposta e concluiu: “A sua palavra não vale nada”. A defesa de Vieira da Silva também foi feita por PCP e BE, o que levou Hugo Soares a dizer que “o ridículo na política também mata”.

Esta sintonia à esquerda levou o ex-ministro dos Assuntos Parlamentares de Passos Coelho, Luís Marques Guedes, a acusar aqueles partidos de terem optado pela estratégia de “voltar a agitar os papões da governação anterior”, que será, afinal, o “único cimento que une a maioria social-comunista”. Luís Marques Guedes falou ainda de uma “cumplicidade sonsa da maioria parlamentar”, na linha da argumentação da direita que não se cansou de apontar um “clientelismo” da esquerda que o Governo tem que sustentar.

O fantasma da bancarrota

Criticando as opções do Orçamento, o deputado do PSD acenou ainda com o fantasma de uma nova pré-bancarrota, ao questionar como é possível “fazer tudo da mesma maneira e esperar que desta vez o resultado seja diferente”. A ideia foi partilhada pelo centrista Nuno Magalhães que lembrou que na bancada do actual Governo se sentam alguns dos que “levaram o país à bancarrota”.

Para além das críticas sobre a estratégia orçamental e sobre a desconfiança acerca da concretização do investimento público previsto, a direita reclamou sobre as grandes interrogações que permanecem depois de mais de 12 horas de discussão: o efeito das cativações, o regime dos trabalhadores independentes e o cabimento orçamental para a floresta. Estas são, aliás, matérias que BE, PCP e PEV também questionam.

Se a esquerda elogia a maior justiça fiscal neste OE – sobretudo por causa das mudanças no IRS -, a direita garante que há um aumento de impostos generalizado e que não existem medidas que beneficiem as empresas, fazendo eco das queixas das confederações patronais.

Ao terceiro orçamento, os discursos do Governo e do PS parecem ter o mesmo guião: todos falam do “sucesso” da política económica e orçamental destes dois anos, que tem permitido reduzir o défice e a dívida e seguir uma estratégia de reversão da austeridade. “Sim, fizemos muito e diferente. Afinal, era possível”, vincou o ministro das Finanças.

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