Gerardo Núñez e a magia da guitarra no regresso do flamenco à Aula Magna

Em duas noites consecutivas, o flamenco volta à Aula Magna, em Lisboa. O Festival Flamenco Heritage traz nomes como Gerardo Núñez, Miguel e Juan Vargas, “El Peregrino”, La Kaíta ou os jovens bailaores El Yiyo e El Tete.

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Gerardo Núñez FESTIVAL FLAMENCO HERITAGE
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El Yiyo Marta Vila Aguila/FESTIVAL FLAMENCO HERITAGE
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"El Peregrino" FESTIVAL FLAMENCO HERITAGE
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La Kaíta FESTIVAL FLAMENCO HERITAGE

Regressa à Aula Magna, em boa hora, um festival que ali começou em 2008 e chega à sua décima edição: o Festival Flamenco de Lisboa, hoje rebaptizado Festival Flamenco Heritage. Em boa hora porque a Aula Magna, palco de muitos notáveis concertos (foi lá que Amália cantou, com António Variações na primeira parte, em 1983, antes do seu primeiro concerto a solo em Lisboa, em 1985, no Coliseu), tem andado arredada de tais eventos. Mas também porque este regresso a um palco que recebeu, em 2008, nada menos do que Pepe Habichuela, Miguel Poveda e La Moneta, surge num momento em que o festival alargou fronteiras, com espectáculos e eventos também em Vila do Conde, Aveiro, Évora, Campo Maior, Lagoa, terminando em Madrid, no dia 15 de Novembro.

Esta sexta-feira, dia 3, há dois espectáculos num só, às 21h30. Primeiro, Raíces – Extremadura Flamenca, com Miguel e Juan Vargas (guitarras), La Kaíta (cante), Alejandro Vega (cante) e “El Peregrino” (baile). Depois, Flamenco de Sangre, um espectáculo de baile dos irmãos El Yiyo e El Tete, com respectivamente 20 e 16 anos, que estrearam em Dezembro de 2016. Os dois, mais convidados.

Francisco Carvajal, fundador e director artístico do festival, diz que os dois jovens serão “uma surpresa esmagadora. Creio que são os bailaores junto da dinastia Farruco que vão impor-se na cena mundial. E tenho a sensação de que o mais velho alcançará a fama de Joaquín Cortés.” Já dois dos acompanhantes dos guitarristas Miguel e Juan Vargas, pai e filho (que Lisboa já viu tocar em 2010, no espectáculo da Família Vargas), prenderão as atenções por motivos históricos. “‘El Peregrino’ é o dinossauro que resta do baile da Praça Alta de Badajoz. Fez agora 75 anos. É algo único.” Já a cantaora, também de Badajoz (onde nasceu, em 1964, com o nome de María de los Ángeles Salazar Saavedra), tem fama de ser um furacão em palco. “La Kaíta é uma cantaora em estado selvagem”, diz Carvajal.

Para Paco de Lucía

Dia 4, sábado, também às 21h30, será a vez do grande guitarrista flamenco Gerardo Núñez, em Entre Dos Águas, primeira de uma série de homenagens a Paco de Lucía organizadas no âmbito deste festival. “É a primeira, mas vamos no futuro multiplicá-la por vinte”, diz Francisco Carvajal. Nascido em Algeciras, Paco de Lucía (1947-2014) teve mãe algarvia, de Monte Francisco, Castro Marim. Chamava-se Lúcia Gomes e daí veio o nome adoptado pelo genial guitarrista, tal como dessa ligação nasceriam depois criações suas, como os discos Castro Marim ou Entre Dos Águas. Este foi, por isso, o mote para esta série de concertos de homenagem a Paco de Lucía, integrados no festival. “Estou certo”, diz Francisco Carvajal, “de que a mãe de Paco lhe cantava canções de pescadores algarvios e fados. Por isso vamos fazer todos os anos um encontro desses 50 por cento português e 50 por cento andaluz de Paco.” Este ano, essa ponte é feita com a presença de dois convidados especiais, Helder Moutinho, fadista, e Pedro de Castro, guitarra portuguesa, que estarão em palco com o grande guitarrista flamenco Gerardo Núñez, que é acompanhado por Carmen Cortés (baile), Antonio Carbonell (cante), Cepillo (percussão) e Pablo Martin (contrabaixo).

Gerardo, um dos maiores

“Temos quatro grandes, grandíssimos, guitarristas flamencos vivos: Tomatito, Vicente Amigo, Cañizares e Gerardo Núñez. E este é, seguramente, o mais técnico dos quatro. É de Jerez de La Frontera [Cádis, onde nasceu, em 1961], onde há um compás e uns acordes especiais e onde todos os guitarristas são ciganos menos ele, embora Gerardo toque como um cigano. Paco de Lucía dizia, ao falar dele: ‘essa é outra linguagem’.” No seu Guía Libre del Flamenco (2001), José Manuel Gamboa escreveu que Gerardo “é um nome de topo da geração que levou a guitarra flamenca ao seu ponto mais alto”, apresentando-o como um dos concertistas indiscutíveis da actualidade.

Antonio Carbonell (madrileno, nascido em 1969), cantaor que aqui acompanha Gerardo, já actuara em Portugal integrado no grupo de Enrique Morente, quando este se apresentou na terceira edição do festival, em 2010, no palco operático do Teatro Nacional de São Carlos, com a casa cheia. Quanto a Carmen Cortés, bailaora, familiar de vários músicos, nasceu em Barcelona em 1957 mas reside em Madrid, cidade que adoptou. “É mulher de Gerardo, cigana, e pertence a uma grande dinastia de ciganos repartidos por toda a Espanha e até por Portugal. É uma artista que desde cedo estudou em Sevilha, nas academias locais, e tem uma expressividade muito forte. Uma maravilha.”

Desde a primeira edição, 2008, já passaram pelo festival vários nomes de relevo nesta arte: Enrique Morente, Miguel Poveda, Carmen Linares, Miguel de Tena, Juan Manuel Cañizares, Fuensanta La Moneta, Pepe Habichuela, Estrella Morente, Farruquito, Jorge Pardo, Amós Lora ou Javier Conde.

Rectificação: “El Peregrino” completou 75 anos em 2017 e não 80, como erradamente se indicou; e no texto inicial foi omitido, por lapso, o nome do patriarca da família Vargas, o guitarrista extremenho Miguel Vargas, que toca no concerto com o seu filho Juan Vargas.

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