Governo e BE negoceiam bónus para reformas antecipadas nos anos da troika

Pelas contas do Governo, dez mil pessoas foram penalizadas pelas regras criadas pelo anterior executivo. Solução pode passar pelo complemento solidário para idosos.

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Segundo Pedro Filipe Soares, o Governo “aceitou discutir um modelo” a partir da próxima semana NUNO FERREIRA SANTOS

Só hoje o Parlamento começa a discutir o Orçamento do Estado de 2018 na generalidade, mas o Governo e o BE já reabriram negociações para incluir no documento uma nova medida: compensar aqueles a que o Bloco chama de “lesados de Mota Soares”, pelo corte que tiveram ao decidir-se por reformas antecipadas durante o período da troika. Segundo Pedro Filipe Soares, o Governo “aceitou discutir um modelo” a partir da próxima semana, quando o Orçamento já estiver a ser discutido na especialidade. Fonte do Governo confirmou a informação ao PÚBLICO.

“Houve na semana passada uma reunião ao mais alto nível”, explica o líder parlamentar bloquista ao PÚBLICO, com vários ministros à mesa e já para antecipar o que ainda pode ser reaberto. “Foi aí que o Governo abriu a porta a essa discussão” pela primeira vez, já com um universo de reformados identificado, não muito acima das 10 mil pessoas. E foi aí também que Vieira da Silva, ministro do Trabalho, insistindo em rejeitar um novo complemento como vinha propondo o BE, admitiu discutir uma compensação feita através do Complemento Solidário para Idosos - uma solução que as duas partes estão agora a analisar com maior detalhe.

Dias antes dessa reunião, o deputado bloquista José Soeiro tinha questionado o ministro do Trabalho na comissão parlamentar sobre o assunto. “Há pensionistas que se reformaram nos últimos anos com cortes de 72% no valor da reforma. É preciso uma solução para defender os lesados do ex-ministro Mota Soares e dar um complemento de reforma que devolva o corte”, defendeu o deputado. Nesse dia, Vieira da Silva respondeu negativamente, explicando que há "opções" a fazer no orçamento de 2018 e lembrando que medidas como a atualização das pensões e as longas carreiras contributivas já têm "um peso significativo" na sustentabilidade.

Um outro dossiê que o Bloco relançou para a mesa de discussões é o da antecipação da segunda fase das reformas antecipadas sem penalização. Mas nesse ponto, admite Pedro Filipe Soares, a solução está “mais atrasada” - porque o Governo acha mais difícil de determinar o universo de beneficiários e prefere estudar, por agora, os impactos do primeiro desagravamento que entrou em vigor a 1 de Outubro. “Quando há dois ministros contra é mais difícil”, admite Pedro Filipe Soares, garantindo que o BE não largou o dossiê.

O anterior Governo, por iniciativa do então ministro da Segurança Social, Pedro Mota Soares, mudou as regras de cálculo do factor de sustentabilidade (um mecanismo que reflecte a evolução demográfica no valor das pensões), que passou a ser calculado com base na relação entre a esperança média de vida aos 65 anos em 2000 (até então a referência era o ano de 2006). Essa alteração fez disparar o factor de sustentabilidade e a penalização aplicada às pensões antecipadas. Só a título de exemplo, em 2015, pelas antigas regras a penalização seria de 6,17%, enquanto as novas regras passaram a determinar um corte de 13,02%.

Dossiers abertos e fechados

Mais seguros estão outros dossiêrs onde Bloco e PCP colocaram grande pressão sobre o executivo, durante as negociações pré-apresentação do Orçamento. Trata-se, por exemplo, do aumento da derrama estadual de IRC em dois pontos percentuais (onde os comunistas foram mais persistentes) e do fim do corte de 10% no subsídio de desemprego para quem já recebe esse apoio há mais de 6 meses. 

Em ambos os casos, o Governo preferiu uma metodologia diferente: que os partidos mais à esquerda apresentem propostas de alteração ao Orçamento, garantindo que o PS as aprovará depois - uma forma não só de dar um prémio de visibilidade aos parceiros de Governo, mas também de não colocar o PS na mira dos patrões ou da Comissão Europeia, quando chegar a altura das críticas.

Mas isto não significa que tenham ficado por aqui os assuntos por resolver dentro da maioria de esquerda, no que concerne a matérias em aberto. Há, por exemplo, um problema em aberto com as cativações, porque os bolsistas querem garantir que elas acabam “nos serviços de saúde” que ainda são afectados por essa reserva orçamental, como sejam o INEM, o CICAD (ex-Instituto da Droga e da Toxicodependência) e Direcção-Geral de Saúde. Para além de não ter desistido de dar ao Parlamento um “modelo de controlo” da execução das cativações, explica Pedro Filipe Soares. Na Educação, o PCP bate-se pela extensão dos manuais escolares gratuitos para além do primeiro ciclo, um dossier que o Governo também não incluiu no documento.

Incêndios: Centeno vai à reserva 

As consequências dos incêndios são outro ponto em aberto para o Orçamento de 2018. Mas, neste ponto, o ministro das Finanças já deu indicações a Bruxelas de que os efeitos terão, até, um efeito positivo no “ajustamento estrutural” em que a Comissão lhe exigiu melhorias. A explicação? É que o ministro pretende usar dinheiro já orçamentado para fazer face aos efeitos.

Numa carta enviada esta terça-feira à Comissão Europeia, Mário Centeno explica que as medidas “ainsa estão a ser estudadas”, mas correspondem apenas à reconstrução ou apoio - tendo assim um efeito pontual no défice e não repetível. Mas a carta nada diz sobre efeitos possíveis da prometida reforma do combate aos fogos, para os quais alertou o Presidente da República na comunicação ao país de dia 17 de Outubro. 

De resto, nessa carta, Centeno diz apenas que manterá a estratégia: usar todas as folgas para reduzir a dívida, manter a consolidação orçamental e os objectivos do défice, reforçar a “eficiência da despesa pública”. Esta quinta-feira, no Parlamento, a tónica do Governo não deve diferir - o que promete tornar difíceis negociações para outras cedências nas negociações à esquerda.  

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