Tancos é uma comédia

O Exército corre o risco de se transformar na companhia de teatro mais bem paga do país.

O desaparecimento de armamento pesado dos paióis nacionais de Tancos foi um furto grave. O Governo nunca quis falar muito do tema, o primeiro-ministro estava de férias nessa altura, e o ministro da Defesa tentou convencer-nos de que não era nada com ele. Receava-se que o armamento pudesse ser usado pelo crime organizado ou por grupos terroristas, mas vieram-nos dizer a seguir que, afinal, o material era obsoleto e que até já deveria ter sido desactivado. Como se, ao levarem aquele entulho bélico, até tivessem feito um favor ao Exército.

O aparecimento do armamento na Chamusca — quem lá o colocou só o poderá ter feito com uma boa dose de humor — não afasta o crime de furto e a exigência de apurar o que aconteceu e como aconteceu. A Polícia Judiciária Militar (PJM) recolheu o material, não comunicou o facto à sua congénere civil, e o Exército acabou de uma vez por todas com qualquer possibilidade de repetição de um furto semelhante: se não se pode acabar com os furtos de armamento, acabe-se com Tancos. Foi isso que o chefe do Estado-Maior do Exército anunciou ontem: os paióis de Tancos foram esvaziados e o armamento distribuído por instalações mais seguras. Rovisco Duarte garante que agora está “tudo inventariado” e guardado em “condições de  vigilância”. Estamos todos mais descansados. O facto de o material ter sido encontrado, com o extra de uma caixa de armamento que não figurava na listagem do furto, não significa que o caso esteja encerrado. Pelo contrário, “o achamento” só reforça a necessidade de apurar o que se passou e de encontrar responsabilidades para o sucedido, como Marcelo­ tem insistido.

Em resumo, sabemos que o material terá sido furtado — no mínimo, que terá sido deslocado de Tancos para a Chamusca — e que terá sido encontrado pela PJM após denúncia telefónica. Isto é o bastante para fazer saltar de alegria um ministro chamuscado, que viu nesta “descoberta” uma raridade: “É algo que acontece pela primeira vez em democracia”. Parabéns. Mas, ao fim e ao cabo, não sabemos nada. Não sabemos quem furtou, como é que o fez, com que objectivo, se falharam as rondas, se falhou a segurança, se houve auxílio ou não a partir de dentro.

Tancos não pode continuar a ser o mistério em que se tornou. A comédia desprestigia o Exército. Sem um final decente, o Exército corre o risco de se transformar na companhia de teatro mais bem paga do país.

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