Jogos de estratégia. Crónica de uma batalha antecipada

A prazo, os interesses do PS e do Presidente da República podem chocar de frente. Os incêndios acabaram por ser o rastilho.

Num cenário político normal, o que é expectável é que um Governo minoritário queira chegar ao fim do seu mandato. Mas António Costa já provou que é capaz de obter resultados que não são nem normais nem expectáveis. E se o braço-de-ferro sobre os incêndios esconder outros objectivos políticos dos dois protagonistas, objectivos esses que são muito diferentes entre si?  E se o PS preferisse ir para eleições antecipadas e isso for precisamente o que o Presidente da República quer evitar?

Vejamos alguns factos. Logo a seguir a Pedrógão Grande, o Governo pediu a um ‘focus group’ uma avaliação do impacto da tragédia na sua popularidade e os resultados mostraram que não tinha havido penalização. Os barómetros da Eurosondagem para o Expresso e a SIC que se seguiram confirmaram a tendência: em Julho, Agosto e Setembro, a intenção de voto no PS oscilou décimas, mas manteve-se sempre acima da fasquia dos 40% alcançada em Junho.

É verdade que no barómetro de Setembro o executivo descia 5,3% nas intenções de voto, mas o primeiro-ministro caía apenas 0,8%. Mais importantes que as sondagens são os votos e, neste contexto, os resultados das autárquicas de 1 de Outubro não são de somenos. O PS teve uma vitória maior do que esperava, o PCP uma derrota muito maior do que imaginaria e o PSD um resultado que levou à saída do seu líder, Pedro Passos Coelho, que os socialistas viam como garantia de vitória em 2019. A correlação de forças políticas mudou e deu-se início a um novo ciclo, como já avisara Marcelo Rebelo de Sousa um ano antes.

Não fossem os incêndios de Outubro e estava preparado o terreno político favorável a que o PS pudesse desejar eleições antecipadas e sonhar com uma maioria absoluta. Assim poderia ainda tirar partido da divisão e fragilidade do PSD, antes do esgotamento acelerado dos acordos com a esquerda e do anunciado regresso da CGTP à rua.

Ainda não é conhecido o efeito dos incêndios de Outubro na popularidade quer do PS, quer do Governo, quer do próprio António Costa. E também é verdade que o executivo não se aventurou a apresentar uma moção de confiança após esta segunda tragédia, garantido que tinha o chumbo, pelos seus parceiros no Parlamento, da moção de censura apresentada pelo CDS-PP. Mas nada disso dá garantias de que o PS tenha posto de parte a ideia de que pode ser mais beneficiado com eleições antecipadas do que se levar o mandato até ao fim.

Só que esse cenário choca de frente com os interesses de Marcelo Rebelo de Sousa. O Presidente não se tem cansado de dizer – e não é de agora – que o país precisa de uma oposição forte. Nem de dar sinais de que não lhe agrada uma solução governativa de bloco central, como tão bem explicitou no discurso do 5 de Outubro. Em Belém, a actual disputa interna no PSD parece não dar garantias da primeira e, pior ainda, acrescenta sinais de que pode acontecer a segunda.

Para Marcelo, o cenário ideal é que o Governo cumpra a legislatura até ao fim, e eventualmente que o PS até ganhe as legislativas de 2019, de modo a dar ao PSD a oportunidade de ter um líder verdadeiramente novo, que possa desbloquear o sistema político. Enquanto isso, o país continuaria a ser governado por um executivo (mais ou menos) frágil, permitindo-lhe continuar a brilhar e recandidatar-se por obrigação moral com o país. E é tudo isso o que o PS não quer.

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