Fora de casa

A transformação digital dos mercados e das empresas abriu o caminho a novas formas de crescimento para outros mercados, com risco moderado

Não interessa muito o que vendemos, que tamanho temos ou onde estamos. Podemos vender fora de casa, sem os riscos das grandes multinacionais e sem ter sequer de entrar num avião. Podemos achar que um dos maiores desafios da economia portuguesa é o da internacionalização. Não é. O desafio não é sequer como internacionalizar, é ter a audácia de ter o sonho e saber como o tornar realidade sem tirar os pés do chão.

Para um número ainda muito grande de empresários, o desafio já não é conseguir internacionalizar: é o de ter consciência que com os novos modelos de negócios é possível a quase todas as empresas portuguesas fazer export dos nossos serviços, dos nossos conhecimentos. Saber que podemos exportar as nossas estratégias, as tácticas, as experiências, os modelos e os produtos que tanto custaram aos empresários criar num ecossistema tão pequeno e periférico.

A principal razão da internacionalização não ser uma prioridade é o conhecimento da dificuldade que outros tiveram para crescer fora de portas. É conhecer todos os que falharam. É saber que alguns afundaram as suas empresas nos investimentos extraordinariamente grandes que eram precisos nos anos 90 nos projectos de crescimento internacional.

É certo que esse modelo orgânico de crescimento na internacionalização ainda existe, quando as empresa têm ambição e estrutura. São programas internacionais a que poucos podem aspirar, mas onde alguns têm sucesso. A Parfois, Salsa e Sonae são alguns exemplos, não como indústria de produção, mas sobretudo como marca e comercialização. A Farfetch é o new kid on the block, com vendas superiores a mil milhões em dezenas de países e um crescimento superior ao dos grandes concorrentes internacionais, graças a um modelo inovador e completamente distinto de co-criação no retalho, onde a fusão entre digital e físico toma um lugar central, exactamente como se passará em todo o comércio relevante dentro de não muitos anos. A Farfetch não precisou de lojas próprias e investimentos bilionários para vender o que vende hoje: reinventou o modelo de retalho, sem colocar em causa as marcas, que são muito mais parceiras do que concorrentes.

Para muitos pequenos negócios portugueses, o caminho é tão óbvio que cega. Cega, porque parece improvável. Cega porque ainda associamos internacionalização a caminhos de grande risco e investimento, mas a transformação digital dos mercados e das empresas abriu o caminho a novas formas de crescimento para outros mercados, com risco moderado. Empresas como a 360 Imprimir e a Talkdesk estão a mostrar-nos o caminho: basta saber ouvir, basta querer ver.

A própria Google lançou este mês por cá o Market Finder, para ajudar as empresas a chegar a novos mercados com risco moderado e apoio em áreas como a escolha do melhor mercado (através do fornecimento de estatísticas de negócio relevantes), bem como informação o de planeamento operacional, como logística, sistemas de pagamentos, enquadramento legal, impostos, customer care e recrutamento. Além disso, a ferramenta que a multinacional colocou no mercado é de acesso gratuito e ajuda a compreender a componente cultural de cada mercado.

Num mundo tendencialmente mais digital, há cada vez menos barreiras internacionais, e tornou-se possível em muitos sectores de actividade iniciar uma curva de experiência internacional, com poucos riscos e apoiada desde a equipa que as empresas já tem a operar em solo lusitano. Para isso, é preciso naturalmente dar início de forma acelerada ao processo de digitalização do negócio, mas o mais importante é ganhar consciência.

É saber que podemos.

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