Costa e Marcelo já não estão numa relação

O que António Costa não disse, na sua primeira entrevista após a segunda grande tragédia do ano, é na verdade uma afirmação

Foi só meia hora, mas mais do que suficiente para cristalizar uma ideia. Se este editorial estivesse a ser escrito no Facebook, podia dizer-se que António Costa e Marcelo já não estão numa relação.

Na entrevista que a TVI preparou a António Costa este teria que ser sempre o tema número um. E conhecendo nós a experiência política deste primeiro-ministro, só podemos pressupor que preparou as respostas com peso e medida. Se António Costa quisesse pôr fim à ideia de que o “choque” tinha passado e a coabitação de veludo estava para durar, este domingo teria sido o dia. Não foi.

Não foi porque Costa não rejeitou a palavra “traição”, usada na pergunta do jornalista. Porque escolheu não dizer que tudo estava bem. Porque se recusou a responder se teria demitido a ministra, caso Marcelo não tivesse feito o discurso que fez. O que António Costa não disse, na sua primeira entrevista após a segunda grande tragédia deste Verão, é na verdade uma afirmação.

Mas o que António Costa escolheu dizer também o é: “Seria uma enorme perda para o país que fosse prejudicada essa boa relação entre Presidente e governo” (um aviso); “Tenho excesso de problemas para acrescentar problemas institucionais aos que existem” (outro aviso); “Querelas institucionais seriam a última coisa que os portugueses desejam” (terceiro aviso); "Seria impensável estabelecer qualquer ligação [entre a intervenção do Presidente e a vida interna do PSD]” (o quarto aviso). E se Marcelo, nos Açores, insistentemente falou no “pouco tempo” que sobra a este executivo para provar que não haverá uma nova tragédia, Costa responde que "as palavras estão ditas”. Estarão ditas, sim, e muito claras também. Agora “é tempo de agir” - promessa de primeiro-ministro.

E é aí, na acção concreta, que se vamos ver se há margem para as segundas núpcias. Este domingo foi o dia em que Costa finalmente reconheceu que houve um erro de percepção sobre os riscos do incêndio naquele fatídico 15 de Outubro. E em que admitiu que os meios aéreos faltaram. Mas não foi ainda o dia em que António Costa nos explicou o que está a preparar para garantir que tudo muda a tempo do próximo Verão. 

Marcelo, desta vez, não vai largar. Talvez este não seja um Governo sob tutela, mas é seguramente o Governo mais dependente da benção presidencial desde Santana Lopes com Jorge Sampaio.

Esse é o grande mistério do “choque” que o primeiro-ministro confirmou neste domingo, com o político que lhe dava a âncora do centro. Terá António Costa desistido da maioria absoluta? Ou confia que a direita não lhe vai trazer alternativa?

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