Independência perde terreno na Catalunha, mas Madrid não ganha juras de amor

Sondagens do El Mundo e do El País, concluídas antes da proclamação de independência, dão perda da maioria absoluta para os independentistas. O problema é que os três principais partidos podem nem sequer concorrer.

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Os partidos independentistas confrontam-se com um dilema: participar nas eleições é renunciar à declaração de independência Albert Gea/REUTERS

As sondagens nunca dizem o que vai acontecer de certeza absoluta – isso só a astrologia pode prometer –, mas são as únicas contas que se podem fazer quando a ideia é tentar apanhar o futuro e trazê-lo até ao presente para o analisar.

Com todas estas condicionantes em cima da mesa, e partindo apenas de duas sondagens feitas a meio da semana passada, o mais provável é que a composição do próximo parlamento catalão venha mesmo a mudar: num processo que tem sido muito duro para todas as sensibilidades, os partidos independentistas estão à beira de perder a maioria absoluta. Mas a definição não será maior por causa disso.

Em primeiro lugar, há um gigantesco "mas": o Governo espanhol convocou eleições na Catalunha para 21 de Dezembro, mas os partidos independentistas ainda não anunciaram se vão concorrer. Para a ERC, o PDeCat e a CUP, a questão é que ir a votos numas eleições convocadas por Madrid é o mesmo que renunciar à declaração de independência.

A ERC (esquerda independentista) deixa as portas abertas a ir às urnas aliada ao Podemos, lê-se num artigo publicado este domingo pelo seu líder, Oriol Junqueras (mas já muitas coisas mudaram em menos tempo na Catalunha). Os outros dois partidos devem pronunciar-se nos próximos dias. A CUP (extrema-esquerda independentista) não descarta essa possibilidade, mas Núria Gibert, uma das suas porta-vozes, diz que essa decisão será tomada pelos militantes.

Segundo uma sondagem da Sigma Dos para o jornal El Mundo, concluída na quinta-feira (um dia antes de o ex-presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, ter declarado a independência), os partidos que formaram a coligação independentista Juntos pelo Sim nas eleições de 2015 podem descer de 62 para entre 54 e 58 deputados.

Já em 2015 esses 62 deputados não foram suficientes para uma maioria absoluta (era preciso pelo menos 68, num parlamento com um total de 135 lugares). Mas a complicada união entre a ERC (esquerda) e a actual PdeCat (direita) – sustentada unicamente no desejo de independência – foi reforçada com o apoio da CUP (extrema-esquerda).

Resumindo, estes três partidos puseram de lado as fortes diferenças ideológicas e dominaram nos últimos dois anos um parlamento autonómico de maioria independentista – e foi com base nessa maioria, interpretada como um apoio incondicional à independência, que o referendo de 1 de Outubro foi realizado, ainda que classificado como inconstitucional pelos tribunais espanhóis.

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Passados dois anos conturbados (especialmente nos últimos meses, depois do referendo e de o Governo espanhol ter assumido o controlo na Catalunha), essa maioria independentista parece estar a recuar, segundo a sondagem publicada pelo El Mundo e uma outra da Metroscopia para o jornal El País, também concluída antes da declaração de independência.

O papel de Ada Colau

A questão é que esse recuo não traduz, necessariamente, uma perda de força do independentismo. Expliquemos: sim, esses partidos podem perder a maioria absoluta no parlamento catalão; mas não, a maioria dos catalães não passou a defender que tudo fique como dantes, com a Catalunha como uma mera região de Espanha.

Este forte sentimento de união a Espanha só surge entre os eleitores do Partido Popular (PP, que está no Governo em Madrid mas que é pouco expressivo na Catalunha) – 94% deles preferem que tudo fique na mesma e apenas 6% querem mais autonomia. À excepção do PP, a esmagadora maioria dos catalães divide-se entre o independentismo (29%) e o reforço da autonomia (46%), segundo a sondagem do El País.

A confusão é ainda maior quando se percebe que o partido com mais intenções de voto nas eleições convocadas pelo Governo espanhol para a Catalunha, a 21 de Dezembro, é a ERC – seria a primeira vez que a esquerda independentista ficaria com mais deputados do que qualquer outra força política. Num cenário como o que é traçado pela sondagem do El Mundo, a soma dos votos da ERC, do PDeCat e da CUP ficaria abaixo dos 68 deputados necessários para renovarem a maioria absoluta.

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Do outro lado, apesar de se anteverem ligeiras subidas para os liberais anti-independência do Cidadãos e para a direita anti-independência do PP, quem pode subir é o Partido Socialista da Catalunha (PSC) – que, de entre os três, é o que está mais dividido em relação à questão independência/reforço da autonomia.

No meio, com poder para desequilibrar a balança para o lado dos independentistas ou dos constitucionalistas, poderá ficar o  Catalunha em Comum, da presidente da Câmara de Barcelona, Ada Colau (esmagadoramente a favor de um reforço da autonomia, sem independência).

Semana definidora

Se os próximos dias levarem a ERC e o PDeCat a darem um passo atrás em relação à declaração de independência, o futuro parlamento catalão poderá vir a ter uma maioria absoluta com partidos que defendem uma negociação com vista ao reforço da autonomia.

Mas nada garante que o PDeCat consiga ultrapassar as suas divergências internas – Artur Mas, o líder e anterior presidente da Generalitat, queria eleições em vez da declaração de independência, ao contrário do que acabou por decidir Carles Puigdemont. E muito menos que a ERC decida apresentar-se às eleições de 21 de Dezembro – para estes dois partidos, e também para a CUP, a questão é que ir a votos em Dezembro, numas eleições convocadas por Madrid, é o mesmo que renunciar à declaração de independência.

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