Em Castro Verde a poeira cobre os tractores quando lavram

Em condições atmosféricas normais as sementeiras já estariam feitas e nascidas, mas só agora se lançam os grãos à terra na expectativa que a chuva apareça em Novembro.

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Os agricultores queixam-se de dias estarem a viver "duros e dramáticos" Rui Gaudêncio

Ver tractores a lavrar e a levantar nuvens de pó nos campos do Alentejo, não é estranho se ocorrer no início de Setembro. Mas no final de Outubro um tal cenário “faz antever uma tragédia” alerta José da Luz, presidente da Associação de Agricultores do Campo Branco, que abrange os concelhos de Castro Verde, e parte de Mértola, Almodôvar, Ourique e Aljustrel.

Se no Baixo Alentejo os agricultores, sobretudo os de sequeiro, estão a viver um mau momento, no norte alentejano a situação é igualmente crítica pelo testemunho de Fermelinda Carvalho, presidente da Associação dos Agricultores do Distrito de Portalegre (AADP). “Estamos a viver dias muito duros e dramáticos” observa, acentuando uma das consequências da seca: “os bovinos estão mais magros, pois os animais ressentem-se quando são apenas alimentados à mão” com palha, feno e farinha.” Precisam dos pastos naturais, mas só observamos terra nua e seca” descreve a presidente da AADP.

Luís Rodrigues, técnico da Associação de Beneficiários de Rega do Caia (ABRC), localizada em Elvas, reforça as preocupações expressas. “Tivemos uma situação de seca equivalente à que estamos a sofrer no ano de 2004”. Mas, desta vez, as circunstâncias são mais nefastas para os cerca de 250 agricultores que têm as suas culturas regadas nos 7.270 hectares do perímetro de rega do Caia. “Desde há três anos, tem saído mais água do que entra na albufeira” e este facto acaba por se reflectir na acentuada redução no volume de água armazenada na albufeira, que está a cerca de 20% da sua capacidade máxima que é de 203 mil metros cúbicos. Luís Rodrigues faz as contas e conclui que, dos cerca de 40 milhões de metros cúbicos de água da reserva actual, cerca de 10 milhões são caudal morto, onde não se pode mexer. Outros 10 milhões serão perdidos pelo processo de evapotranspiração e perdas na rede de rega e 4,5 milhões estão destinados ao consumo humano. Se não chover, o que resta não chega para assegurar o regadio. Desta forma os agricultores não vão poder regar na campanha Outono/Inverno em curso, devido à seca.  

Em Castro Verde, as sementeiras “foram sendo proteladas sempre na expectativa que a chuva viesse, quando deveriam ter sido iniciadas nos primeiros dias de Outubro” refere José da Luz. Neste momento lavra-se a terra “porque há sempre esperança”, prossegue o presidente da AACB.

Na manhã de sexta-feira passada as manobras de um tractor deixam na sua passagem uma densa nuvem de pó, imagem que se repete a umas centenas de metros de distância na planície do Campo Branco, onde decorre outra lavra. Um dos agricultores que opera uma das máquinas pára de rasgar a terra por alguns momentos. Está coberto de pó e com uma expressão de quem não augura nada de bom com o tempo que se faz sentir. “Já viu esta poeirada?”, pergunta-nos, enchendo as mãos de terra lavrada para comprovar que a humidade desapareceu dos solos delgados. “Ainda vamos ter aqui uma desgraça” comenta desagradado. “Se não chover, rapidamente, as sementeiras que estão a ser feitas, perdem-se”, admite.

Segundo o mais recente boletim climatológico do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), “as perspectivas de chuva durante a próxima semana são nenhumas” constata Francisco Palma, presidente da Associação de Agricultores do Baixo Alentejo. “Neste momento as sementeiras já deviam estar feitas e nascidas, mas não há nada que se veja”, argumenta o agricultor. Se esta realidade é assim para o sequeiro, no regadio “estamos do lado oposto do que se passa no resto do país, porque existe Alqueva”. E compara: “próximo de Beja uma pequena barragem particular está reduzida a uma poça de água” como milhares de outras disseminadas pelo Alentejo. E no entanto, em redor desta “poça de água” o verde dos olivais, dos amendoais e de outras culturas contrasta com a secura dos campos sem água do Campo Branco ou do norte alentejano.

No perímetro de rega de Odivelas, em Ferreira do Alentejo, a existência de água vinda do Alqueva permite acautelar desde já as culturas de Primavera/Verão, salienta Miguel Reis presidente da Associação de Beneficiários da Obra de Rega de Odivelas (ABORO) de cerca de 560 agricultores que têm as suas explorações nos 12.752 hectares de perímetros estruturados para a rega. Também na albufeira que dá suporte à rega no passado “era mais a água que saía do que aquela que entrava” observa o presidente da ABORO satisfeito por ser possível antecipar, com o Alqueva, o volume de água necessário aos agricultores, mesmo que não chova entretanto.

A superfície agrícola útil no Alentejo abrange 1900 milhões de hectares. Mas deste total, apenas 131 mil hectares são áreas regadas, embora até ao ano 2020, cerca de 170 mil hectares serão regados a partir do Alqueva. “Vai sendo tempo de encarar a seca como um desastre natural”, defende Francisco Palma, alertando para as consequências de sucessivos anos que “estão a contribuir para a falência dos sistemas agrícolas de sequeiro”.

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