15 de Outubro, o dia que não deveria ter existido

A clamorosa falência do Estado nesse dia mostra que não foi dada a devida atenção aos avisos e que muito mais poderia e deveria ter sido feito anteriormente no que respeita ao patrulhamento e vigilância (prevenção).

O dia 15 de Outubro culmina uma situação meteorológica extrema, que se traduziu no prolongamento continuado do Verão dentro do calendário de Outono. Nesse dia da tragédia dos últimos grandes incêndios, Portugal registou temperaturas máximas diárias inusitadas nos valores e no espaço geográfico. Em situações habituais de um dia quente de Verão, os valores mais baixos da temperatura ocorrem junto à faixa litoral e os mais altos no interior do território. No dia 15 de Outubro, verificou-se o oposto (ver mapa).

De notar que a faixa atlântica, registou temperaturas superiores (cerca de oito graus Celsius) às da orla algarvia, uma situação que também não é habitual. Nesta análise geográfica sobre as condições meteorológicas excepcionais daquele dia, após consulta dos dados do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), não foram consideradas as estações de Peniche e Cabo Raso, por se encontrarem praticamente dentro do oceano, devido à configuração da linha de costa.

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Embora a altitude possa explicar algumas diferenças nas temperaturas (casos da Guarda e de Montalegre), não é suficiente para justificar esta inversão geográfica das temperaturas entre o litoral e o interior. Citam-se alguns exemplos mais elucidativos: Porto (34,5 graus Celsius), Vila Real (29,3), Aveiro (35,8), Viseu (30,2), Leiria (35,2), Castelo Branco (32,5). Mais a sul, na costa Vicentina, Zambujeira do Mar (34,1) registou temperaturas superiores às de Castro Verde no interior do Alentejo (30,9).

Muitas estações do país ultrapassaram o valor da temperatura máxima absoluta alguma vez registada no mês de Outubro, no período de 1970-2000. Santarém ultrapassou em mais três graus Celsius o máximo absoluto de Outubro. A chegada da massa de ar quente e seca ocasionou acréscimos de temperatura por hora, verdadeiramente incríveis para esta época do ano, a ponto de se duvidar de um erro de registo da estação. Arouca registou uma subida de 9,2 graus Celsius das oito para as nove horas da manhã, ou seja, cerca de 2,3 graus por cada 15 minutos. No Porto, a temperatura subiu quase 11 graus entre as dez da manhã e as 13h.

O mapa de 17 de Outubro, dois dias após a tragédia, já configura uma situação térmica típica de um dia de Outono. Algumas estações registaram médias das temperaturas máximas iguais às das normais climatológicas de 30 anos (os valores que caracterizam o clima de um dado local). Por comparação, o mapa do dia 17 permite verificar a excepcionalidade das condições meteorológica do dia 15, onde a média das estações registou um desvio de mais de 11 graus Celsius relativamente aos valores do dia 17, sendo esse desvio mais acentuado nas estações da faixa litoral atlântica. Nove das estações analisadas registaram desvios de mais de 13 graus Celsius relativamente às temperaturas observadas no dia 17, que, como se viu, pode tomar-se como paradigma da situação térmica habitual do mês de Outubro.

Em síntese, 15 de Outubro foi extremo e atípico porque:

1) as temperaturas ultrapassaram os máximos absolutos do mês em vários locais;

2) registou temperaturas mais altas na faixa litoral atlântica do que no interior (em dias quentes de Verão verifica-se o oposto);

3) registou temperaturas mais altas na fachada ocidental de Portugal do que no litoral do Algarve (normalmente é o inverso);

4) ocorreram aumentos de temperatura por hora característicos de um dia muito quente de Verão.

Terá o dia 15 de Outubro sido o “cisne negro” que não deveria ter existido? Os dados das temperaturas deixam poucas dúvidas a este respeito. Se adicionarmos às condições térmicas excepcionais valores de humidade relativa entre 20% e 10% em estações do litoral, que frequentemente têm nevoeiros nesta época do ano, e uma intensidade do vento entre 20 e 30 quilómetros por hora (note-se que Outubro é por norma um mês calmo, que já não tem a nortada do Verão), conjugados com vegetação em “stress hídrico” intenso, 15 de Outubro é um dia totalmente atípico.

Portugal dispõe de meios que lhe permitem prever este tipo de ocorrências extremas, esta foi prevista, houve alertas de que algo poderia correr mal, considerando a seca severa em que a maior parte do país se encontrava. A clamorosa falência do Estado nesse dia mostra que não foi dada a devida atenção aos avisos e que muito mais poderia e deveria ter sido feito anteriormente no que respeita ao patrulhamento e vigilância (prevenção). No turbilhão das chamas pouco haveria a fazer, a não ser salvar pessoas. Não há que esconder que em dias muito quentes é perigoso viver em muitas aldeias, desprovidas de uma “zona de segurança” e despovoadas. A existência de pontos de água já provou salvar vidas: por que não contemplar essa medida, melhorando ou reconvertendo antigos lavadoiros, ou reconstruindo antigas estruturas de rega comunitárias?

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