Soraya de Santamaría, a "vice-tudo de tudo", também já manda na Catalunha

A vice-primeira-ministra do Governo espanhol tem experiência na gestão de crises, mas desta vez o seu futuro político também está em jogo: ser presidente do Governo catalão "vai ter mais desgaste do que benefícios".

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Soraya Saénz de Santamaría tem sido o principal apoio de Mariano Rajoy nos últimos 17 anos Susana Vera/REUTERS

Tem sido assim nos últimos 17 anos, desde que Soraya Saénz de Santamaría entrou na vida do actual presidente do Governo espanhol, Mariano Rajoy: se há um trabalho complicado pela frente, esse trabalho é para a Super-Soraya. Só que, desta vez, Rajoy atirou-lhe para cima a tarefa mais pesada das últimas décadas em Espanha, e a vice-presidente do Governo espanhol vê o seu futuro político em risco: ao aceitar tornar-se na presidente em exercício da Catalunha, Saénz de Santamaría arrisca-se a sair deste processo ferida de morte e, por isso mesmo, mais longe de vir a substituir o seu mentor na presidência do Governo espanhol.

A vida de Saénz de Santamaría começou a 10 de Junho de 1971, em Valladolid. Foi boa aluna, licenciou-se em Direito com distinção e rapidamente se fez advogada do Estado. Mas a passagem pelos tribunais foi fugaz: em 2000, ainda antes de ter completado 29 anos, meteu-se num autocarro em Valladolid e só saiu em Madrid, onde o gabinete do então vice-primeiro-ministro de Espanha, Mariano Rajoy, tinha vaga aberta para um assessor jurídico. Foi entrevistada por Francisco Villar (outro braço direito de Rajoy) e reza a lenda que bastou um "não" rotundo e convicto à pergunta "Assusta-a ter de passar o dia inteiro a gerir problemas?" para ser contratada.

Desde então, os espanhóis (tanto os muitos apoiantes como os muitos críticos) passaram a conhecê-la como a faz-tudo do Partido Popular, o braço direito (e muitas vezes também o esquerdo) de Mariano Rajoy. Há quem lhe chame a "vice-tudo de tudo", agora que a sua comprovada capacidade de trabalho já fez esquecer o mais malicioso "menina de Rajoy".

Não foi preciso muito tempo para que o actual presidente do Governo espanhol visse nela o soldado ideal para a linha da frente: nos primeiros dois anos, de 2000 a 2002, Saénz de Santamaría deu a cara durante a crise das vacas loucas e a maré negra provocada pelo petroleiro "Prestige", por exemplo.

Depois disso, foi sempre a somar. Entrou no Parlamento em 2004 pelas listas de Madrid, beneficiando da saída de Rodrigo Rato para o Fundo Monetário Internacional; foi porta-voz do Partido Popular entre 2008 e 2011 e porta-voz do Governo espanhol de 2011 a 2016; e foi ministra várias vezes, de várias pastas: ministra da Justiça e ministra da Saúde no final de 2014, ainda que por poucos dias; e é actualmente ministra da Presidência, ministra das Administrações Territoriais e vice-primeira-ministra de Espanha. A partir deste sábado, acumula também o cargo de presidente do governo da Catalunha.

Ideologia? Qual ideologia?

A meio do elevador político, em 2006, casou-se com Iván Rosa Vallejo, um espanhol filho de pai português e, tal como ela no início da carreira, advogado do Estado. A ligação de Saénz de Santamaría a Portugal vem daí – em várias entrevistas, ao longo dos anos, tem falado dela com referências a jantares com muito bacalhau e férias deste lado da fronteira para carregar baterias.

Para muitos, é a primeira cara que surge na cabeça quando se mencionam as palavras Partido Popular, mas há quem ainda não lhe tenha detectado qualquer vestígio de ideologia no interior do seu próprio partido. Há oito anos, num artigo do jornal El Mundo, ficou a matutar numa pergunta que lhe fizeram e respondeu aquilo que só quem não se define como idealista pode responder: "Idealista? Muito realista na análise, mas idealista nos objectivos."

Já este ano, no Verão, as jornalistas espanholas Gabriela Bustelo e Alejandra Ruiz-Hermosilla publicaram a primeira biografia da segunda figura do Governo espanhol e "mulher mais poderosa de Espanha", segundo a nota introdutória do livro – um livro a que chamaram, de forma tão previsível como acertada, La vicepresidenta.

Numa entrevista ao site conservador e liberal Actuall, as autoras disseram que ouviram muitos avisos quando andaram a recolher testemunhos: "No livro há declarações de deputados do PP que não querem revelar os seus nomes, com advertências do género 'não sabem o que estão a fazer', 'ela controla o CNI [serviços secretos de Espanha]', 'ninguém vai querer dar o nome neste livro' e 'ela é uma inimiga má'", disse Alejandra Ruiz-Hermosilla.

Um dos que deu a cara foi José Manuel García Margallo, ministro dos Negócios Estrangeiros de Mariano Rajoy entre 2011 e 2016, e um dos nomes do Partido Popular que não têm Santamaría em boa conta: "Quando Soraya chegou a Madrid em 2000, se tivesse sido o PSOE a querer contratar assessores jurídicos, Soraya teria aterrado no PSOE, onde se teria instalado com absoluta tranquilidade. Se lhe perguntares em que é que ela acredita politicamente, não vale a pena. Eu nunca cheguei a saber."

Ambição em risco

Apesar de tudo, naquele artigo do El Mundo, em 2009, Saénz de Santamaría disse que não tem ambição de poder: "Não quero ser presidente de nada, nem do meu condomínio. Mais do que o poder pelo poder, gosto de mudar as coisas, de melhorá-las." Muitos em Espanha terão levantado o dedo nesse momento, em jeito de objecção – é verdade que Saénz de Santamaría ainda não foi presidente de nada, nem do seu condomínio, mas poucos duvidam de que o seu percurso político cheira a passagem de testemunho por todos os lados: depois de Aznar, Rajoy; depois de Rajoy, Santamaría.

E assim seria, quase de certeza, se a Catalunha não se metesse entre ela e o condomínio do Partido Popular – e, quem sabe, o condomínio de toda a Espanha. À medida que o tempo foi passando, e o Governo espanhol foi esperando que o independentismo catalão definhasse pelo simples facto de não se falar nele, a vice-primeira-ministra foi-se preparando para o pior: a possibilidade de assumir a presidência da Catalunha, se Rajoy viesse a accionar o Artigo 155.

A contragosto, conta o jornal online El Confidencial, Saénz de Santamaría acabou por se render à vontade do seu mentor e da maioria dos ministros e assumiu a liderança do processo mais difícil das últimas décadas em Espanha – sabendo que "vai ter mais desgaste do que benefícios próprios" e que "pode ser determinante para o seu futuro político", diz o El Confidencial.

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