De Windhoek a Swakopmund

O leitor Pedro Mota Curto partilha a sua experiência na Namíbia.

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Pedro Mota Curto

O jantar da noite anterior realizara-se no restaurante Joe’s Beerhouse, famoso na cidade, mas também a nível internacional. Dizem que na última semana de Outubro aí se realiza uma formidável Oktoberfest, festa tipicamente alemã, com muita cerveja, salsichas, chucrute e joelho de porco. Agora era Agosto, as iguarias eram outras e o ambiente seguramente mais calmo.

Nas imediações havia um restaurante português, o Portuga, mas optámos pela singular ementa do Joe’s Beerhouse, onde, no meio de uma decoração exuberante, nos deliciámos com diversos tipos de carnes grelhadas, órix, gazela, kudu, crocodilo e zebra. Não é todos os dias que surge uma oportunidade como esta. No final, a conta não chegou aos 15 euros a cada um.

O veículo circulava a uma velocidade talvez demasiado elevada para as características da estrada. Uma pista de terra, não alcatroada, larga mas um pouco irregular, com um piso que provocava grande vibração no interior da poderosa viatura. A paisagem, arrebatadora, estendia-se até ao infinito. Desértica, desolada, quente. Aqui e ali, uma acácia. Pareciam mortas mas estavam vivas. As suas raízes procuravam a água, que não existia à superfície, a quarenta metros de profundidade. Por vezes, imóveis, aproveitando a sua sombra, uma zebra, uma gazela, um órix.

Entre a capital da Namíbia, Windhoek, e a cidade costeira de Swakopmund distavam 350 quilómetros. A estrada era uma recta infinita, sem pessoas, sem povoações, quase sem vegetação, apenas uma imensidão submersa em intenso calor, uma vastidão desértica. Estávamos em pleno Inverno, as temperaturas não deviam ultrapassar os 30 graus. Por vezes, cruzávamo-nos com um jipe em sentido contrário e então, durante algum tempo, uma enorme nuvem de poeira ocultava grande parte da estrada. Seguíamos do centro do país para o litoral, de Este para Oeste.

Percorrida metade da distância, a paisagem tornava-se definitivamente desértica, areia e mais areia, só areia, nada mais, até onde a vista podia alcançar, em todas as direcções. Curiosamente, a temperatura não aumentou. Pelo contrário, diminuiu bastante. Passados mais alguns quilómetros, e à medida que nos embrenhávamos no deserto de areia, começaram a surgir as primeiras nuvens, pela primeira vez desde há muitos dias. Um tanto inesperadamente, as temperaturas iam baixando drasticamente e o céu acabou por ficar desprovido de sol, escorraçado por nuvens compactas, escuras, ameaçadoras. Tínhamos chegado ao deserto que ocupa e domina os 1500 quilómetros de costa deste país. A costa dos esqueletos, de animais, de baleias, de homens e de navios.

Ao longo dos séculos, navio que por estas bandas naufragasse, significava morte certa. Se os náufragos caminhassem para o interior, pelas dunas de areia, eram dezenas, centenas de quilómetros só de areia. Era a Costa dos Esqueletos. Ainda hoje, diversas carcaças de navios permanecem fantasmagoricamente encalhadas na praia, fria, gelada, com ondas poderosas a impor respeito aos chacais que nas praias procuram alimento. Águas geladas que fazem as delícias das focas e dos pelicanos.

O primeiro europeu a desembarcar nesta inóspita costa era português, Diogo Cão, em 1484, a cerca de 120 quilómetros para norte da actual cidade costeira de Swakopmund, onde colocou um padrão de pedra para assinalar o pretenso domínio de Portugal, num local ainda hoje denominado Cape Cross.

O segundo europeu a pisar esta costa agreste, gelada e ameaçadora também era português, Bartolomeu Dias, que em 1487 desembarcou a cerca de 20 quilómetros da actual cidade costeira de Lüderitz, onde terá igualmente colocado um padrão de pedra, reclamando estes novos descobrimentos para Portugal. O local exacto hoje é denominado Diaz Point. Réplicas dos dois padrões encontram-se nos locais, assinalando e perpetuando a proeza, 530 anos depois.

Diogo Cão e Bartolomeu Dias, na segunda metade do século XV, encontraram os únicos locais onde era possível desembarcar, nesta extensa costa desértica e sensivelmente nas zonas onde em 2017 existem as duas únicas cidades costeiras, portuárias, deste país, Swakopmund e Lüderitz. Apenas duas cidades, em 1500 quilómetros desta costa. Lüderitz situa-se 730 quilómetros a sul de Swakopmund.

Para o jantar desta noite, em Swakopmund, havia duas opções, dois restaurantes situados mesmo junto ao mar, um dos quais no final de um pontão, cuja origem remonta a 1905, que entrava umas centenas de metros pelo agitado e gelado mar. Desta vez, peixe e marisco impunham-se perante as carnes grelhadas consumidas na capital, em Windhoek, no interior do país. No final, uma conta de cerca de 20 euros por pessoa. A gastronomia em Portugal é de excelência, mas na Namíbia também não se come nada mal.

Pedro Mota Curto

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