A Nossa Pensão é um modelo para o país gastronómico

Para lá dos prémios e distinções, o ambiente caseiro e a cozinha apurada do restaurante Aidé mostram como a tradição pode sempre tornar-se ainda mais saborosa e cativante.

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Nelson Garrido

A modesta pensão de meados do século passado é agora um hotel e também o restaurante se modernizou e ganhou nome próprio, mas o que não muda é a saborosa cozinha tradicional. O restaurante Aidé está no Paços Ferrara Hotel, mas esta é uma descrição burocrática e circunstancial. De facto, é uma espécie de acolhedora sala de jantar da cidade de Paços de Ferreira, e talvez seja isso que explique a razão por que toda a gente teima ainda em usar o nome da pensão de outrora. Que se tornou famosa sobretudo pela qualidade da sua cozinha.

Um legado de sabores, ambiente familiar e acolhedor que os pacenses olham quase como património colectivo. E, por isso, apropriam-se. Chamam-lhe “A Nossa Pensão”, o nome que está na origem e lhes traz saborosas memórias. E bem se entende, já que também nós, quando nos sentamos à mesa, rapidamente absorvemos essa nostálgica sensação de conforto. Sobretudo pelos produtos genuínos e sabores apurados dos cozinhados lentos, mas também pelo ambiente familiar cuidado. Simples mas confortável.

A par dos produtos e do evidente saber culinário, há ainda outro segredo: os fogões a lenha, que se denunciam a cada garfada.

À lista, que se concentra nos pratos que são património da casa, como a vitela, os bacalhaus ou as tripas, acresce uma sugestão diária de peixe e carne. Coisas como coelho à caçador, cabidela de frango, costela mendinha assada no forno, os peixes do dia, o bacalhau assado na brasa. Ou o joelho de porca no forno, que foi premiado no recente concurso de Gastronomia e Vinho Verde.

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Nelson Garrido

De uma longa lista de “entradas” (18), provou-se a “espetadinha de lulas e gambas” (0,75€) e o “cogumelo recheado” (1,20€). Perfeitas e deliciosas as mini-lulas e gambas (sim, no plural), casadas com cebola e pimento e ainda a soltar calor e aromas do forno, enquanto os portobello apareceram recheados com um delicada brunesa (cubinhos, neste caso minúsculos) de legumes. Da oferta constam coisas como alheira transmontana, vieira gratinada, mexilhão com cebola gratinado, rissóis, croquetes ou bolinhos de bacalhau, tudo com preços que nunca ultrapassam os 3,50€.

Nos peixes, a “sugestão” do dia oferecia os “filetes de pescada com arroz de grelos” (10,25€). Lombos fofos envoltos em ovo e farinha, escorridos de gordura e a decomporem-se em alvas lascas. Textura firme e sabores naturais, a mostrar que mesmo com peixe congelado se podem fazer filetes muito bons e saborosos. Por cautela, e tentando contrariar a gula, prescindiu-se do arroz caldoso — mesmo assim foi servido um arroz branco, de bago solto e aberto e aroma irresistível —, tendo a factura final reflectido apenas 5€ de preço pelos dois saborosos filetes. Um pormenor que reforça o profissionalismo, cordialidade e eficiência do serviço, que é outro dos aspectos que rapidamente cativam e dão conforto ao cliente.

A par do bacalhau “à Narcisa” ou “assado na brasa” (11€), a lista sugere também o “salmão escalfado com molho de alho francês e amêndoa (10€) e o “polvo grelhado à lagareiro” (13,25€), que é um dos que mais tem contribuído para a fama da casa.

Por falar em fama, há que não esquecer que este Aidé é também um dos santuários da maior especialidade local, o capão à Freamunde. Basta lembrar que já por nove vezes saiu vencedor do concurso gastronómico anual, isto numa competição que leva apenas 12 edições. É obra!

Na sua época, que está aí à porta, o imponente galo castrado assado no forno faz parte da oferta de fim-de-semana, mas também durante boa parte do ano — condicionado às existências na região — é possível saboreá-lo mediante encomenda prévia.

Mas também os “lombinhos de boi grelhados” (12,75€) bem justificam a viagem a Paços de Ferreira. E, neste caso, nem precisa de encomenda, já que fazem parte da lista e estão disponíveis em permanência.

A meia-dose — os preços indicados são para meias-doses, mas chegam sempre para dois — apresenta dois preciosos nacos do lombo, grelhados de forma exemplar, que se desfazem em sabor e humidade na boca. Acompanharam com batata a murro e legumes salteados. O segredo, perguntamos, está no calor da chapa do fogão de lenha. Mas também, claro, nas carnes de qualidade e no saber culinário que preserva toda a suculência e sabor.

Um saber que ficou também evidente no apuro da “bochecha de vitela estufada” (10,50€), em cinco porções que se derretiam na boca. Como companhia, saborosas batatas do forno, à padeiro, e o tal arroz seco com aroma a cebola de que antes se deu nota.

Numa casa cujo saber e apuro vem sendo afinado há mais de meio século, os fogões são agora comandados por Joaquim Gomes, chef cozinheiro que, depois da passagem pela Pousada do Solar da Rede, decidiu assumir a chefia do Aidé, que é propriedade da família da sua mulher.

Num ambiente simples e confortável, o estilo familiar da cozinha estende-se também à sala. Sem luxos mas acolhedor. Toalhas e guardanapos num branco singelo, tal como as louças. À eficiência e profissionalismo do pessoal de sala, junta-se o serviço em travessas de aspecto cuidado e estética moderna. Um bom exemplo de como a tradição pode sempre tornar-se ainda mais cativante, com sentido moderno, rigor e profissionalismo.

Exemplar é também a carta de vinhos. E nem só pela abrangência da oferta a copo ou de regiões como Douro, Dão e Alentejo (dos vinhos de entrada a alguns topo de gama), se bem que a Bairrada apareça em branco na lista. O destaque vai mesmo para os vinhos locais, com praticamente todos os bons vinhos das sub-regiões do Vinho Verde Sousa e Amarante.

Da cozinha à sala, este Aidé é um dos melhores exemplos da boa restauração local. Que acompanha o tempo sem perder a essência da tradição, que destaca e dá valor aos produtos locais e cozinha regional. É disto que as regiões e o país precisam para afirmar a sua gastronomia.

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