O furacão Metz antes da tempestade

Strange Peace é o álbum em que os Metz quiseram descobrir novas formas de continuarem a ser os Metz. Conseguiram-no. Não são exactamente os mesmos, mas esta fúria continua tão libertadora como sempre

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Ebru Yildiz
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Quando o ruído da guitarra nos explode nos ouvidos, quando as peles da bateria ressoam de forma ensurdecedora, tocadas com violência libertadora, não temos dúvidas e nem escapatória possível. Estes são os Metz, a banda canadiana que se  apresentou sem qualquer discrição, em 2012, com um álbum homónimo que soava a carga de dinamite com detonação garantida por pavio curto. Soava também aos Nirvana de Bleach, os mais crus e mais negros, aos Mudhoney mais corrosivos e aos Jesus Lizard sempre inquietos – mas isso são meros pontos de referência para nos organizarmos entre o turbilhão regenerador provocado pela banda.

O que temos que reter é que os Metz, canadianos de Ottawa migrados para Toronto, são daquelas bandas que nos abanam e provocam os sentidos, que nos gritam aos ouvidos até que gritemos com eles que isto não está nada bem, que a vida provavelmente nunca foi exactamente o que sonhámos, mas se estamos nisto juntos, entreguemo-nos ao caos e sigamos o som – eles e nós, furiosos até ao momento em que caímos juntos, cansados mas novamente crentes.

Não estamos sozinhos – e eles estão tão zangados como nós. Não estamos sozinhos – e eles oferecem-nos a terapia ideal para que a ansiedade e fúria contida se transformem em abraço fraterno, cúmplice, quando tombamos juntos, felizes, numa poça de suor.

Foi isso que sentimos ao ouvir Metz, foi isso que voltámos a sentir ao ouvir II (2015). E agora, quando arranca Mess of wires, a primeira canção de Strange Peace, quando o ruído da guitarra nos explode nos ouvidos, quando as peles da bateria ressoam com violência libertadora, intuímos que sentiremos o mesmo.

Strange Peace é o terceiro álbum dos Metz. O título, que se refere ao estado de espírito do guitarrista e vocalista Alex Edkins durante a preparação do álbum, é uma expressão que resume bem os efeitos que a música da banda provoca. “O Trump subiu ao poder e trouxe muita coisa preocupante com ele e, ao mesmo tempo, eu tinha um bebé a caminho. Sentia-me a viver numa paz estranha, habitado pela sensação de calma antes da tempestade. Uma sensação bizarra. Sentes que algo não está bem, que algo está prestes a mudar e que o que virá a seguir é incerto. Pode mudar para melhor, pode piorar, mas, naquele momento, não tens certezas de nada”, diz Edkins desde o Canadá, entusiasmado com o fim-de-semana que se aproximava. Nada de concerto, só casa e família – “ser pai foi a melhor coisa que me aconteceu”, exulta - depois de uma digressão na Costa Este dos Estados Unidos partilhada com os compatriotas Modest Mouse e com os nova-iorquinos Uni_Form – “as bandas não podiam ser mais diferentes, mas é assim que gostamos”.

Chegar, tocar, está feito

A inquietação é uma constante nos Metz e na música dos Metz. Em Strange Peace, pelo que conta Edkins, ela exprime-se de forma mais urgente pelo contexto político e social que acompanhou o nascimento do álbum. O refrão de Cellophane explica-o bem: “It’s all about to change / The faces rearrange / Are we just standing still? / How will I know it’s real?”. “Encontra-se aí o tema central comum a todo o disco. Há outros temas abordados nas canções, mas são adendas ao principal”. Curioso, então, que Strange Peace seja o álbum em que a energia crua dos Metz, o seu rock’n’roll, punk rock, noise rock em estado bruto, revele mais matizes, acolhendo passagens ambientais que funcionam como oásis ilusórios no meio do caos – ilusórios porque sabemos que não serão duradouros, antes curtos períodos de descanso para recuperar o fôlego – ou encontrando espaço para melodias bem desenhadas entre a avalanche sónica: a supracitada Cellophane será, quanto a isso, o melhor e mais meritório exemplo.

Para Alex Edkins, tal é consequência de sentir a banda como “uma experiência de crescimento constante”. Não, ele não está a falar de “polir o som” e é muito pouco provável que chegue o dia em que os Metz deixem crescer longas barbas para gravar um álbum folk num estúdio nas montanhas. “No primeiro álbum só havia uma abordagem: tudo muito alto o tempo todo. Acho que resultou bem porque o disco era curto e o objectivo é que fosse um murro no estômago. Continuamos a tocar muito alto - tendo um baterista como o Hayden [Menzies] não poderia ser de outra forma -, mas fomos percebendo que o impacto é maior se tivermos momentos mais calmos como contraponto”, explica. “Em Strange Peace combinamos a energia de tocar ao vivo com alguma da mais interessante experimentação sónica e das abordagens mais melódicas que já fizemos. Estamos a tentar crescer para fora de nós do maior número de formas possível”.

Tendo em conta tudo isto, saber que o álbum foi gravado com um dos heróis dos Metz, Steve Albini, tem o seu quê de surpresa. Fundador dos Big Black, actualmente nos Shellac, e produtor dos Nirvana, dos Jesus Lizard, das Breeders, da Blues Explosion, ou dos Pixies, entre muitos outros, Steve Albini é reconhecido por privilegiar a abordagem directa, ao vivo no estúdio e com o mínimo de intervenção posterior. Esperaríamos que da colaboração com Albini resultasse o álbum mais cru da banda – tão ou mais que os anteriores. Acontece que, como explica Alex Edkins, a banda chegou às sessões de gravação com todas as canções completas, perfeitamente definidas. Chegados ao estúdio de Albini, o Electrical Audio, em Chicago, entregaram-se à sua vontade. “Foi só ligar os instrumentos e tocar para que ele capturasse tudo como tão bem sabe fazer” - bem-vinda lufada de ar fresco para uma banda que “tem este problema de pensar demasiado em tudo”. Com Albini, não houve tempo para isso. Chegaram, tocaram, está feito. “O Steve gravou algum dos meus discos preferidos, portanto, não íamos lixar a fórmula dele”.

O resultado da colaboração, do contexto, da nova reunião de Alex Edkins, Hayden Menzies e dos baixista Chris Slorach num estúdio, é este álbum cujo som parece constantemente no vermelho, a transbordar quase no limite da distorção, um álbum que nos sacode violentamente e que pede que lhe juntemos a voz – em Mess of wires, em Cellophane. Um disco em que canções de tensão pós-punk, como a Drained lake de ritmo maquinal, convivem com temas interlúdio como Caterpillar, feita de guitarras esvoaçantes e voz perdida na distância.

Em Strange Peace, os Metz não perderam nenhuma das qualidades que nos obrigaram a olhar na sua direcção. “Não acredito que se possa perder aquela sensação que te transmite a música rock tocada muito alto e seguindo o nosso instinto. Ou apanhas o vírus ou não. Eu apanhei-o bem cedo na vida e ainda não me deixou. Transformou-me completamente, quer em relação à forma como vejo a música, quer na forma de olhar o mundo. O que fazemos é incrivelmente pouco cool para 99% da população do planeta, mas isso até nos protege de uma série de absurdos. Permite-nos controlar o nosso futuro, permite controlar o que é e o que será a nossa música”. Ouvimos os Metz, ouvimos Strange Peace, e não temos dúvidas. Por uma vez, o 1% está do lado certo da barricada.

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