BCE corta estímulos, mas pode manter compras de dívida portuguesa

Mario Draghi comprometeu-se a pelo menos mais nove meses de compras de dívida pública na zona euro, mas a metade do ritmo. Portugal pode ser excepção no corte.

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Mario Draghi, esta quinta-feira na sede do BCE em Frankfurt LUSA/ARMANDO BABANI

O Banco Central Europeu vai, a partir do próximo mês Janeiro, cortar a metade as compras mensais de dívida pública que realiza na zona euro, mas é possível que Portugal, pelas limitações a que já está sujeito, não venha a sentir um aperto nas aquisições de dívida dirigidas a si.

Seguindo aquilo que era já largamente antecipado nos mercados, a entidade liderada por Mario Draghi anunciou que o programa de compra de activos (principalmente dívida pública) seria prolongado para lá de Dezembro de 2017 durante mais noves meses, mas que o montante de compras mensais passaria dos actuais 60 mil milhões de euros para 30 mil milhões de euros, confirmando a intenção da autoridade monetária de começar a retirar os estímulos que tem vindo a lançar na economia da zona euro.

Isto significa que, para o total da região, o apoio do BCE nas compras de dívida (que tem contribuído para a baixa de juros que se regista no mercado obrigacionista) continua, mas apenas com metade da intensidade. Isso não se fará sentir, contudo, de forma igual em todos os países. E há motivos para pensar que Portugal pode ser um caso à parte, pelo simples facto de já ter vindo a ser alvo, desde Abril de 2016, de uma redução significativa das compras feitas pelo BCE.

Quando o BCE faz as suas compras de dívida dos diversos Estados-membros, em princípio deve fazê-lo de acordo com a participação que cada um dos países tem no seu capital. No entanto, para além disso, a passagem à prática do programa de compras tem também de levar em conta a aplicação de outras regras, nomeadamente o limite de 33% que o BCE impõe a si próprio para a percentagem de dívida que pode deter de um país e de cada uma das séries de obrigações emitidas.

Portugal está entre os países da zona euro que mais afectado é por esses limites adicionais (pelo facto de no início da crise o BCE ter comprado volumes elevados de dívida portuguesa e por parte da dívida portuguesa ser à troika), o que tem condicionado fortemente o volume de compras que o banco central faz no país.

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Entre os 18 países da zona euro elegíveis para este programa (a Grécia está de fora por não ter um único rating acima de “lixo”), Portugal tem uma percentagem de 2,6% do capital do BCE. Mas, de acordo com os dados publicados pelo BCE para as compras de dívida por país, esse rácio só foi aplicado durante os primeiros 13 meses de existência do programa, entre Março de 2015 e Março de 2016.

A partir de Abril de 2016 e até ao final desse ano, o peso das compras portuguesas no total dos 18 países desceu para 1,76%. E, em 2017 até ao final de Setembro, este rácio caiu ainda mais, para 1,08%.

Em valores absolutos, se durante a primeira metade de aplicação do programa, as compras mensais ultrapassavam sistematicamente os 1000 milhões de euros, nos últimos meses têm ficado apenas próximo dos 500 milhões (494 milhões no passado mês de Setembro)

Isto é, as compras de dívida portuguesa realizadas pelo BCE estão a ser feitas a um ritmo que é bem inferior a metade do que seria se estivesse a ser aplicado o peso que Portugal tem no BCE.

E sendo assim, isso pode significar que, mesmo reduzindo, a partir de Janeiro, o total de compras realizado na zona euro, é possível ao BCE manter o mesmo ritmo de compras de dívida portuguesa sem que o rácio ultrapasse o peso que Portugal tem no capital do banco central.

Para o total da zona euro, a decisão do BCE representa inequivocamente uma redução de estímulos. Houve, no entanto, a preocupação por parte do presidente da instituição de, na conferência de imprensa desta quinta-feira, acompanhar o anúncio da decisão com diversos sinais e garantias que apontam para que o BCE continue este processo de retirada de estímulos de forma moderada e progressiva, para não ameaçar a retoma.

Mario Draghi começou por explicar que a decisão de diminuir o volume mensal de compras acontece porque se está a assistir na zona euro a melhorias nas condições económicas, mas assinalou logo a seguir que ainda não se vêem os resultados desejados na inflação.

Por isso, disse, o BCE vai ter de continuar a ajudar. Draghi apresentou três vias pelas quais o BCE o vai fazer: continuando a realizar compras de activos (mesmo que menores) por mais nove meses, continuando a reinvestir em títulos o dinheiro que recebe de volta quando os activos que comprou atingem a maturidade, e garantindo que as suas taxas de juro de referência irão continuar ao nível mínimo recorde por bastante mais tempo.

Draghi repetiu que uma subida de taxas apenas acontecerá “bem depois” de concluído o programa de compra de activos. Não se sabe ao certo quando é que isso será – e Mario Draghi preferiu não esclarecer – mas o presidente do BCE prometeu que o programa de compra de dívida “não vai parar subitamente”. Isto é, quando se chegar a Setembro, é muito provável um novo prolongamento.

A não definição, para já, de qual a data do fim do programa de compras de activos foi, reconheceu Draghi, uma das questões onde não foi possível atingir um consenso entre os membros do conselho de governadores do BCE. Uma “larga maioria” preferiu manter o fim do programa em aberto, mas outros membros, menos entusiastas dos estímulos monetários em vigor, queriam um calendário completo para o “regresso à normalidade”.

A vitória da facção mais adepta da política expansionista, evidente nas palavras de Draghi conduziu nos momentos a seguir à conferência do presidente do BCE a uma reacção positiva dos mercados, com uma ligeira depreciação do euro face ao dólar e uma descida das taxas de juro da dívida, incluindo a portuguesa.

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