Aprender a gostar das florestas

É fundamental que a escola saia mais das suas paredes e que deixe nela entrar o conhecimento sobre o meio.

Nestes dias dramáticos para os portugueses e para a nossa floresta tenho-me lembrado daqueles alunos de dez e 11 anos de uma escola de ensino básico da Horta que, no âmbito de um projeto de educação para o desenvolvimento sustentável, descobriram uma plantinha de urze, uma endémica açoriana. Quando trabalhei com a escola eles tinham feito uma proteção e deslocavam-se ao Monte da Guia, regularmente, para proteger a pequena urze. Nesse projeto desenvolvido em várias ilhas dos Açores (Terceira, Pico, Faial e S. Miguel), os alunos aprenderam a gostar da terra e a protegê-la, fazendo nesse sentido propostas aos órgãos autárquicos, que nesse contexto aprenderam a conhecer. O ponto alto desse projeto foram as caminhadas em que foram fotografadas as espécies endémicas encontradas. As fotografias selecionadas (professores e alunos aprenderam fotografia) deram origem a exposições, patrocinadas pelos municípios, onde a comunidade podia aprender a conhecer as espécies endémicas. Numa outra etapa dos projectos, os alunos intervieram na autarquia com propostas de melhoria de situações encontradas.

Levei anos a caminhar na floresta Laurissilva sem conhecer as suas espécies. Olhava mas não a valorizava devidamente porque me faltava conhecimento. No meu tempo, na escola não se aprendia a olhar para o meio que nos rodeava nem a conhecer o seu património natural e construído. Não se estudava o património regional e local.

Fiquei zangada quando a minha cidade foi vítima do terrível terramoto de 1980 sem que eu tivesse aprendido a conhecê-la. Esse sentimento tornou-me militante do estudo do meio. A descoberta da floresta Laurissilva constituiu um marco na minha vida e acredito que na vida dos alunos e dos seus professores daquele projeto.

Por isso me bati por aquele projeto, que coordenei com Manuel Gomes e que visava promover nas escolas o conhecimento do meio e, em muitos casos, da vegetação endémica e da floresta Laurissilva e também a vontade de intervir. E foi extraordinário o que aqueles alunos aprenderam sobre a biodiversidade, a geografia, a geologia, a química, a arte, a fotografia, o português. E aprenderam a falar em público e a conhecer os órgãos autárquicos. Alguns deles destacaram-se nos anos seguintes nos exames nacionais de biologia. Aprenderam a pesquisar, a comunicar, a intervir. E aprenderam a gostar de aprender.

Foi tocante o entusiasmo, a entreajuda e valorização dos saberes de alunos do campo pelos da cidade e a capacidade de inclusão do projeto. A escola teve que quebrar o espartilho das disciplinas e caminhar para o trabalho de projeto assumindo problemáticas que requerem trabalho transversal. E os professores empenharam-se de um modo extraordinário e viveram com entusiasmo aquele processo.

Foram decisivos os numerosos parceiros regionais e locais, designadamente as estruturas regionais, as autarquias, as associações ambientais, o grupo da biodiversidade da Universidade dos Açores. O trabalho de produção de conhecimento sobre a região tem sido assinalável, o que foi importante no projeto e é hoje essencial dados os riscos existentes, associados ao incremento do turismo. É fundamental que a escola saia mais das suas paredes e que deixe nela entrar o conhecimento sobre o meio.

Não me digam que a pedagogia do desenvolvimento sustentável é um sonho romântico de regresso ao passado. Ela é, a meu ver, um dos meios privilegiados para a formação de cidadãos capazes de defender a sua terra e também para o combate ao insucesso escolar.

Atualmente, a escola de Ponta Garça, que assume não deixar ninguém para trás e quer formar cidadãos intervenientes, tem desenvolvido alguns projetos na mesma linha, que revelaram ser uma estratégia privilegiada para combater o abandono escolar. Também aqui com apoio da camara municipal e da Direção Regional de Educação.

Não pude deixar de me lembrar destas situações a propósito da tragédia que se abateu sobre as florestas portuguesas. Da indiferença com que se tem vivido durante décadas o delapidar desse extraordinário recurso. Como combater essa indiferença?

Penso que se deveria pedir, em regime de voluntariado, às escolas que se envolvessem em projetos que visassem acarinhar as florestas, acompanhar o seu renascimento, conhecer as condições para a sua sustentabilidade e contribuir para uma responsabilidade coletiva. Essa responsabilidade coletiva necessita de pessoas capazes de intervir.

Neste momento é desejável que as escolas e os professores se abram ao debate sobre os trágicos acontecimentos recentes e sei que muitos estão a fazê-lo. O tratamento de Questões Socialmente Vivas pela escola é atualmente muito defendido porque pode contribuir para uma cautelosa mas necessária gestão das emoções e também para a formação de cidadãos ativos. Seria importante que associações, autarquias e ministérios criassem estímulos para o desenvolvimento de projetos em parceria com as escolas.

E, já agora, seria essencial envolver também as universidades e os politécnicos (com uma rede disseminada em todo o interior do nosso território e, em especial, nas zonas mais massacradas pelos incêndios florestais) em projetos de voluntariado que envolvam os nossos jovens no renascer da floresta. É urgente criar uma responsabilidade social alargada e a escola e os jovens serão decisivos para que isso aconteça.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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