Dois lados, uma história, uma consequência

Versão um ou versão dois, o facto é que esta batalha tem uma consequência. A partir daqui, Marcelo e Costa não falarão às quintas-feiras da mesma forma. Mas não é o fim da história.

A palavra é “chocados”. A frase completa é esta: ”Estávamos à espera de um discurso duro, mas ficámos chocados.” Na história de uma relação entre um chefe de Estado e o do Governo, raras vezes vimos uma frase assim. Mesmo off the record, porque elas marcam em definitivo o fim de uma era: a era da confiança institucional.

Até aqui, até Pedrógão Grande, a relação Marcelo-Costa era uma verdadeira lua-de-mel. Depois de Pedrógão e de Tancos, o Presidente avançou, devagarinho. “Quando eu viro à direita, a direita está distraída a bater na esquerda” — lembram-se? 

Mas depois veio a segunda tragédia — e o Governo perdeu-se. Marcelo, oportuno, aproveitou com a intervenção que lhe marcará o mandato. Com um ultimato. Esta é a primeira versão para esta história: a de que o Presidente andou “quatro meses em guerra” com Costa, nos termos em que a contava o Expresso este fim-de-semana.

A verdade é que, também sobre Pedrógão, Marcelo foi mudando de tom. Numa entrevista ao DN, ainda em Julho, deixou meio país político e mediático a discutir se ali havia choque — ou se lhe estava a passar um cheque. Até sobre as indemnizações às famílias das vítimas o Presidente era resguardado: era preciso "apurar as responsabilidades exactas do poder público", dizia então, numa versão que haveria de mudar ainda antes do 15 de Outubro.

Agora há mesmo choque. Em Belém, com a forma como o Governo perdeu o pé. Em São Bento, com a forma como Marcelo agiu. “As coisas estavam combinadas”, diz a mesma fonte do Governo ao PÚBLICO. As coisas incluíam tudo: as compensações às famílias, as medidas em preparação e até a hora de saída da ministra da Administração Interna. Esta é a versão número dois: Marcelo sabia, mas partiu a louça. Ou rompeu a corda — o cordão umbilical que o ligava a este Governo.

Versão um ou versão dois, o facto é que toda esta história tem uma consequência. A partir daqui, Marcelo e Costa não falarão às quintas-feiras da mesma forma. 

Mas isto não é o fim da história. Porque Marcelo e Costa não são Cavaco e Sócrates. Porque Marcelo e Costa são mais pragmáticos, conhecem-se há longo tempo. Também por isso, António Costa saberá reler o que disse Carlos Blanco de Morais, ex-assessor de Cavaco Silva, numa entrevista ao Expresso: “Este Presidente é muito flexível, respira política 24 horas por dia e é cauteloso. Só dissolveria com a certeza clara de que existe uma alternativa minimamente viável. […] A gestão de afectos faz parte da sua estratégia presidencial, mas a sua idiossincrasia é fria e de jogador.” 

Claro, esta é só uma versão da história. O facto? É que o jogo começou agora.  

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