Um “estado falhado”?

Paradoxal é o facto de os políticos independentistas estarem a dar da Catalunha — nação rica, culta e moderníssima — a imagem de país em risco de se tornar um “estado falhado”. A Catalunha merece melhor.

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A tentação é atribuir a Carles Puigdemont a responsabilidade pelo caos — e o ridículo — em que a Catalunha mergulhou. Declarou e logo suspendeu a independência. Esta semana, havia independência num dia e eleições no outro. No caótico dia de ontem, somou contradições. De manhã propôs eleições, à tarde rejeitou-as. Foi acusado de “judas” e de traição. E amanhã? Voltará ás eleições? Ou proclamará a independência? E, se o fizer, o que seria esse imaginário Estat Catalá?

É, no entanto, miopia fazer de Puigdemont o bode expiatório. É um político inepto e president por acaso. Mas a confusão é provocada pelos dirigentes e pelas forças nacionalistas que o condicionam. Quem toma as decisões nem é propriamente o govern, mas um “sinédrio”, de que farão parte ideólogos e eminências pardas. Ainda o artigo 155.º não foi aprovado pelo Senado e já lança o caos na Catalunha, fracturando o campo nacionalista.

A desorientação tem explicações humanas. Como realizar a independência num país partido ao meio? Os independentistas invocam a sua maioria absoluta no parlament e a legitimidade do 1-O. Não tiveram, lembre-se, a maioria dos votos nas eleições. Se tal é irrelevante para formar uma maioria parlamentar, não é minimamente legítimo para promover uma secessão. Eles gostavam das sondagens quando, em 2012, uma curta maioria dos catalães se dizia favorável à independência. Hoje fogem das sondagens porque as opções dos catalães se inverteram. A última sondagem (Gesop-El Periodico) é preocupante: 68% dos catalães querem eleições autonómicas para sair do conflito e 55% consideram que o 1-O não legitima a declaração de independência.

Como conseguirá “metade da Catalunha” proclamar a independência contra a “outra metade”, por escaldante que seja a emoção nacionalista? A “outra metade”, que quer manter a integração na Espanha, mostrou a sua opinião e o seu peso na manifestação de 8 de Outubro.

Como manter a miragem de uma “Holanda do Sul” e de uma exponencial prosperidade quando as empresas retiram as sedes da Catalunha? Como manter a ilusão de reconhecimento internacional quando o seu isolamento se revela total? E que aconteceria se saíssem da UE? Estas são algumas das complicações que explicam as voltas e reviravoltas de Puigdemont e dos partidos nacionalistas.

A CUP sabe o que quer

A aplicação do 155.º é uma jogada de alto risco para o Governo espanhol. Disso falarei amanhã. Por agora, lembro que só a CUP tem uma estratégia, alucinante mas coerente: transformar o processo de secessão num processo revolucionário anticapitalista. Tem uma táctica para forçar a mão à Europa e derrotar Madrid: provocar “o irreparável”, criar uma situação dramática, ou mesmo trágica, a partir dos confrontos de rua. Por isso quer o 155.º. Ao pé da CUP, Puigdemont é um principiante. E a CUP, hoje aliada à Assembleia Nacional Catalã, parece crescer.

Paradoxal é o facto de os políticos independentistas estarem a dar da Catalunha — nação rica, culta e moderníssima — a imagem de país em risco de se tornar um “estado falhado”. A Catalunha merece melhor.

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