Tempo de decisão no BCE: as questões a que Draghi tem de responder

BCE decide esta quinta-feira o que irá fazer, a partir de Janeiro de 2018, ao seu programa de compra de dívida. E são vários os dilemas dentro do banco central.

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Mario Draghi deve anunciar esta quinta o que fazer ao programa de compras de activos do BCE Reuters/RALPH ORLOWSKI

A pouco mais de dois meses do fim do prazo previsto para o programa de compra de dívida pública com que tem vindo a injectar dinheiro na economia da zona euro, o Banco Central Europeu (BCE) está forçado, esta quinta-feira a decidir e anunciar o que vai acontecer a partir de 2018. Por quanto tempo será prolongado o programa? Qual o ritmo a que continuarão a ser feitas essas compras?

Para tomar esta decisão, Mario Draghi e os outros membros do Conselho de Governadores do BCE vão ter primeiro de responder a outras perguntas. E, tal como já vem sendo hábito nos últimos anos, as respostas não serão unânimes.

A retoma económica é sólida?
A economia da zona euro prepara-se para registar em 2017 o seu quarto ano consecutivo de crescimento, com uma variação do PIB que, de acordo com o FMI, será de 2,1%, o valor mais alto desde 2010. Ao mesmo tempo, a taxa de desemprego deverá cair este ano abaixo dos 10%, a primeira vez que tal acontece desde 2009. Motivo para considerar que o trabalho está feito? Que é tempo de começar a retirar os estímulos monetários extraordinários à economia?

A expectativa é de que mesmo os membros do conselho de governadores do Banco Central Europeu mais reticentes em abandonar a política expansionistas - um dos quais é Mario Draghi – deverão começar a aceitar que o desempenho da economia aponta para que, depois da Grande Recessão, se regressou definitivamente a uma situação de maior normalidade.

Ainda assim, continuará a haver reservas. As previsões para 2018 apontam já para um abrandamento e a taxa de desemprego está ainda um nível bem superior ao registado, por exemplo, nos EUA ou no Reino Unido.

Além disso, a taxa de inflação continua a estar longe da definição de estabilidade de preços do próprio BCE (que aponta para uma variação de preços próxima mas abaixo de 2%). Mario Draghi tem dito que o risco de entrada num processo de deflação desapareceu, mas continua a mostrar preocupação com o facto de a variação de preços ser persistentemente baixa, o que pode revelar que os dados do crescimento e do desemprego podem estar a esconder um desaproveitamento ainda elevado do potencial da economia.

Isto deverá significar que, mesmo num cenário de maior crescimento económico, o BCE continua, de acordo com a maioria dos membros do BCE, a ter espaço de manobra para manter a ajuda, contribuindo para que os fluxos de crédito sigam a aumentar. Mas vários membros do conselho de governadores, incluindo o líder do Bundesbank não concordam, e os dados económicos têm vindo a dar-lhes, crescentemente, mais argumentos para a sua posição.

A subida do euro deve preocupar?
No meio dos sinais de retoma da economia – e com a inflação teimosamente em baixo –, a variação da taxa de câmbio do euro nos mercados internacionais pode desempenhar um papel decisivo na decisão do BCE.

Na última conferência de imprensa, Mario Draghi não escondeu a sua preocupação com o facto de o euro ter registado uma apreciação bastante significativa face ao dólar. Um euro mais forte tem como consequência não só uma redução da competitividade das empresas exportadoras europeias, como também uma redução dos preços dos bens importados. Isto é, contribui em simultâneo para um desempenho mais fraco da economia e para uma inflação mais baixa.

Sendo o objectivo do BCE neste momento fazer caminhar a inflação para um valor mais alto, que se aproxime da meta dos 2%, a apreciação do euro pode contribuir para travar os planos de uma retirada rápida dos estímulos monetários. No entanto, é preciso levar em linha de conta que, desde a última reunião até agora, o euro deixou de subir face ao dólar, tendo mesmo registado uma ligeira depreciação.

O que é melhor para a banca?
A saúde do sector bancário tem sido uma das principiais preocupações dos responsáveis do BCE durante os últimos anos e, depois de diversas alterações nos modelos de regulação e de muitas injecções de capital em vários países da zona euro, os problemas continuam a estar presentes. Não é certo, contudo, de que forma é que a ansiedade em relação ao sector bancário pode influenciar a decisão de retirada mais rápida ou mais lenta dos estímulos orçamentais.

Por um lado, é evidente que em alguns dos países onde a banca dá mais sinais de fragilidade, como Itália ou Portugal, os acesso fácil ao financiamento que o BCE tem oferecido constitui um contributo muito importante para minorar os problemas financeiros. Por isso, numa altura em que os bancos tentam limpar os balanços, ter o BCE a comprar um volume de activos nos mercados pode ser importante.

Por outro lado, vários bancos têm mostrado a sua insatisfação com o ambiente de taxas de juro extremamente baixas e mesmo negativas, que tem vindo a condicionar a sua capacidade para gerar lucros. As instituições que têm sentido mais este problema pedem para que o BCE recue rapidamente na política expansionista.

Os países periféricos são vulneráveis a uma mudança?
Não há discurso ou conferência de imprensa em que Mario Draghi não repita: o BCE não olha para a situação específica de um país, mas sim para a totalidade da zona euro. Ainda assim, apesar deste princípio, dificilmente o banco central gosta de avançar com medidas que possam prejudicar gravemente um grupo de países, já que uma crise, mesmo que parcial, teria um efeito de desestabilização para toda a zona euro.

No caso dos países que mais sofreram com a crise da dívida soberana, como Portugal, Grécia, Irlanda, Chipre e mesmo Espanha e Itália, é evidente que o cenário monetário muito benigno desempenhou um papel fulcral na retoma económica que se tem vindo a verificar no último ano. E é aqui que mais se faz sentir o risco de retirar os estímulos demasiado depressa, colocando em causa a força da retoma.

Como evitar chocar os mercados?
Os bancos centrais tentam sempre evitar que haja turbulência e choques nos mercados e, por isso, procuram ser tão previsíveis quanto possível. Deste modo, quando anunciam a sua decisão, esta já é largamente esperada por analistas e investidores, tendo os efeitos sido sentidos nos mercados em antecipação e diluídos no tempo.

Por isso, é também normal que, na hora da decisão, os responsáveis do BCE tenham o cuidado de não fazer algo que esteja bastante longe dos sinais que foram sendo dados anteriormente. Neste momento, o cenário considerado mais provável pelos analistas é que o BCE venha a optar por um prolongamento do seu programa de compra de activos para lá de Dezembro, mas com uma redução do valor mensal das aquisições.

Em média, as expectativas apontam para um prolongamento por mais nove meses, com as compras a passarem dos actuais 60 mil milhões de euros por mês para 30 mil milhões de euros por mês. Feitas as contas, o BCE comprometer-se-ia neste cenário em realizar, pelo menos, mais 270 mil milhões de euros de aquisições de activos.

Se se confirmar um volume de compras deste tipo – mesmo que com uma combinação diferente do número de meses e do montante mensal de activos -, os impactos nos mercados serão, a partir de quinta-feira muito reduzidos. Mas se as compras forem maiores ou menores que esse valor de referência, haverá uma reacção dos mercados. Se a retirada de estímulos for mais pronunciada, estaríamos provavelmente perante uma subida do valor do euro face ao dólar e uma subida das taxas de juro dos títulos de dívida pública da zona euro

Que sinal deve ser dado em relação às taxas de juro?
Não há quem antecipe que nos planos dos responsáveis do BCE esteja, para a reunião desta quinta-feira, qualquer mexida no nível das taxas de juro de referência do banco central. As taxas a que o BCE financia os bancos vão continuar a zero e as taxas de depósito em terreno negativo, de acordo com todas as previsões.

No entanto, uma das preocupações de Mario Draghi será a de, ao mesmo tempo que reduz o volume de compras, dar um sinal para o futuro relativamente à evolução das taxas de juro. E a este nível, é amplamente esperado que o presidente do BCE repita a garantia de que uma subida de taxas de juro apenas acontecerá depois de definitivamente concluído o programa de compras de obrigações.

Se isso acontecer, aquilo que Draghi está a transmitir é que se pode contar, durante um período ainda longo de tempo, com a manutenção das taxas de juro de referência do BCE aos níveis mínimos históricos em que se encontram actualmente, um conforto para quem teme uma mudança de direcção brusca na política monetária da zona euro.

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