Incêndios em Portugal: das causas estruturais às inovações institucionais

Ganha potencial prioridade política a ideia da criação de um Conselho Nacional de Agricultura, Alimentação e Desenvolvimento Rural.

Após o incêndio em Pedrógão, o diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), José Graziano da Silva, manifestou ao Governo e ao povo português o seu profundo pesar e a solidariedade da organização. Estávamos longe de pensar que o drama regressaria e com uma brutalidade sem precedentes, contribuindo para a atual grande determinação nacional em resolver as suas causas estruturais. Podemos talvez contribuir para esse objetivo se assim for entendido oportuno pelo Governo.

O relatório da Comissão Técnica Independente aos incêndios de Pedrógão Grande, Castanheira de Pêra, Ansião, Alvaiázere, Figueiró dos Vinhos, Arganil, Góis, Penela, Pampilhosa da Serra, Oleiros e Sertã, após referir que o mundo rural português mudou muito nos últimos 30 ou 40 anos, sugere que a reforma do SNDFCI (Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios) deve “considerar as causas estruturais dos incêndios florestais, como único caminho para reduzir em médio prazo os problemas que estes originam em Portugal”.

É, contudo, importante não esquecer que as causas estruturais dos incêndios são multidimensionais. Olhar para o problema setorialmente é, muito provavelmente, confundir a árvore com a floresta. Os grandes incêndios florestais, a degradação da paisagem, a grande diminuição do número de produtores e transformadores familiares de alimentos, a desertificação populacional, o envelhecimento da população rural, a alteração dos padrões alimentares tradicionais e o crescimento de doenças aí originadas são, infelizmente, sintomas da mesma doença: o (des)envolvimento rural e alimentar verificado nas últimas três ou quatro décadas em Portugal. Por essa razão, o tratamento mais eficaz deve ser multisetorial, ter a mais alta prioridade política e configurar uma política de Estado. Como referiu o Presidente da Republica no seu discurso ao país no dia 18 de Outubro, “deve haver uma convergência alargada, porque os governos passam e é crucial que a prioridade permaneça”.

Neste contexto, é fundamental pensar numa inovação institucional que permita o alinhamento e a coordenação das várias áreas setoriais do Governo (ministérios) e o estabelecimento de parcerias com os outros atores (sociedade civil, setor empresarial e poder local). 

A potencial importância deste arranjo é facilmente perceptível quando sabemos que são várias as componentes setoriais que necessariamente devem integrar-se para favorecer a permanência da população no meio rural. Desde um ambiente institucional apropriado, mercados locais, escolas, proteção social até serviços públicos no meio rural. Atualmente, face aos desafios colocados pela disciplina relativa à Politica Agrícola Comum e outros acordos internacionais vinculantes, a ação do Estado fortalece-se pela combinação das suas capacidades, pelas parcerias com outros atores e pela aplicação do princípio da subsidiariedade. Esta sugestão para reflexão não contraria, por isso, a criação de uma Agência para a Gestão Integrada dos Fogos Rurais, tal como recomendada pelo relatório da Comissão Técnica Independente, ou qualquer outra ação setorial entendida como conveniente no curto, médio ou longo prazo. Pelo contrário, reforça as ações setoriais em curso, já que estabelece um quadro institucional hierárquico superior onde estas se discutem, desenvolvem e articulam. 

Ganha assim, potencial prioridade política a ideia da criação e aprovação pela Assembleia da Republica de um Conselho Nacional de Agricultura, Alimentação e Desenvolvimento Rural (ou outra designação conveniente) na eventual dependência direta do primeiro-ministro. A iniciativa vem sendo equacionada pelo Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural com a FAO no contexto de compromissos internacionais assumidos por Portugal e tem merecido, até ao momento, informalmente, o consenso de todos os partidos políticos e da sociedade civil.

Este novo quadro institucional multiatores permitiria a identificação dos problemas, a elaboração de novas propostas legislativas e de políticas publicas intersetoriais, o alinhamento e a coordenação de programas setoriais dos vários ministérios e o estabelecimento de parcerias com a sociedade civil, empresas e poder local. Por outras palavras, permitiria a construção e implementação do pacto nacional para a alteração da atual trajetória de (des)envolvimento rural combatendo as causas estruturais dos incêndios de grande dimensão em todas as suas frentes. 

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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