Orçamento do Estado - Um olhar sobre o IRS!

Ao não abranger o quarto e o quinto escalões de rendimento pelo alívio do IRS, reforça-se o elevado peso destes agregados na receita total do IRS e, consequentemente, a exagerada progressividade deste imposto.

A proposta de Orçamento do Estado para 2018, apresentada na noite da passada sexta-feira, dia 13, vem concretizar a prometida redução do IRS, mas não para todos os contribuintes. A proposta do Governo relativamente a esta matéria abrange apenas os atuais segundo e terceiro escalões do IRS, nos quais se enquadram os contribuintes com rendimentos brutos entre aproximadamente 11.000 euros e 45.000 euros, e consiste no desdobramento de cada um daqueles escalões num escalão adicional com uma taxa de imposto menor.

Assim, os níveis de rendimento divididos pelos referidos dois escalões atuais, sujeitos às taxas de 28,5% e 37%, passarão a estar divididos por quatro escalões, sujeitos às taxas de 23%, 28,5%, 35% e 37%. Esta medida irá permitir finalmente uma redução do IRS para a generalidade dos agregados familiares, mas não abrange um conjunto de agregados que se encontra atualmente sujeito a níveis elevadíssimos de tributação.

Ficaram de fora desta restruturação das taxas progressivas de IRS, não só o primeiro escalão de rendimentos (rendimentos brutos até aproximadamente 11.0000 euros), mas também o quarto e quinto escalões de rendimentos (rendimentos brutos superiores a aproximadamente 45.000 euros). 

Ora, relativamente ao primeiro escalão de rendimentos, é compreensível a opção do Governo, uma vez que se enquadram nesse escalão agregados que por aplicação das deduções ao rendimento, das deduções à coleta e do mínimo de existência, ficam habitualmente dispensados do pagamento do IRS, ainda que esta dispensa só se materialize, em alguns casos, após a entrega da declaração Modelo 3, por via do reembolso de retenções na fonte que foram efetuadas ao longo do ano.

Note-se que embora a taxa de imposto prevista para o primeiro escalão de rendimentos seja de 14,5%, de acordo com as estatísticas da Autoridade Tributária relativas ao triénio 2013-2015, os agregados incluídos neste escalão de rendimento, que representaram cerca de 45% do total dos agregados, pagaram em média uma taxa efetiva inferior a 2%. Ainda assim, será de esperar uma redução da carga tributária neste escalão de rendimento resultante do incremento do mínimo de existência (rendimento líquido abaixo do qual não há lugar ao pagamento de IRS) de 8.500 euros para aproximadamente 8.850 euros.

Já no que se refere ao quarto e quinto escalões de rendimento, é mais difícil compreender a opção seguida, principalmente se tivermos em conta que estes agregados foram fortemente afetados pelo acelerado crescimento da carga fiscal nos últimos anos e que estão sujeitos a taxas de imposto que se encontram nos níveis mais altos da União Europeia (taxa máxima pode chegar aos 53%), embora com um nível de rendimento mais baixo do que aquele que têm habitualmente agregados dos escalões de tributação mais altos dos restantes países da União Europeia.

A alteração proposta aos escalões das taxas progressivas pretende abranger a maioria dos agregados portugueses, nomeadamente da classe média, e é verdade que o segundo e terceiro escalões englobam a grande maioria dos agregados familiares sujeitos a IRS (de acordo com as estatísticas da Autoridade Tributária referentes ao triénio 2013-2015, cerca de 45 % dos agregados enquadravam-se nestes dois escalões de rendimento), mas também é verdade que o imposto pago pelos agregados daqueles dois níveis de rendimento representa apenas 38% do total do IRS pago naquele triénio. Por seu lado, os contribuintes enquadrados no quarto e quinto escalões, embora representem apenas 7,5% do total dos agregados familiares, suportam cerca de 60% do total do IRS.

Ao não abranger o quarto e o quinto escalões de rendimento pelo alívio do IRS, reforça-se o elevado peso destes agregados na receita total do IRS e, consequentemente, a exagerada progressividade deste imposto. Ainda assim, estes últimos agregados poderão contar com uma diminuição da carga fiscal em 2018, mas que resulta da eliminação da sobretaxa que já se encontrava prevista e que já havia sido prometida e adiada em anos anteriores.

Para alguns agregados, o alívio fiscal que se prevê para 2018 pode ainda vir a ser reduzido por outras medidas constantes da proposta apresentada, nomeadamente pelo fim da isenção de IRS sobre os “vales educação”.

Estes vales foram introduzidos em 2015 e podiam ser atribuídos pelas empresas aos seus trabalhadores, destinando-se ao pagamento de escolas, estabelecimentos de ensino e outros serviços de educação, bem como de despesas com manuais e livros escolares dos dependentes com idade entre os 7 e os 25 anos e, até à data, não estão sujeitos a IRS até ao montante anual de 1.100 euros por dependente. A atribuição deste tipo de vales pelas empresas aos seus colaboradores teve um crescimento significativo ao longo dos últimos anos, pelo que a alteração agora proposta pode trazer um aumento significativo do valor do imposto para muitas famílias, o qual em alguns casos pode até ultrapassar o valor do alívio fiscal que se prevê pela restruturação das taxas do IRS.

Mantém-se, no entanto, a isenção de IRS sobre os “vales infância”, destinados ao pagamento de creches, jardins-de-infância e lactários de dependentes com idade inferior a 7 anos e alarga-se o conceito das despesas de educação passando a ser consideradas para efeitos de dedução ao imposto as despesas suportadas com alojamento de estudantes (até aos 25 anos e a frequentar estabelecimento de ensino) que se encontrem deslocados da residência permanente do seu agregado familiar. A referida dedução encontra-se limitada a 30% do valor suportado com as rendas até 200 euros anuais, sendo que o limite global das despesas de educação passa de 800 euros para 900 euros quando a diferença seja relativa às rendas.

A proposta de Orçamento do Estado para 2018 trouxe ainda uma má surpresa para os contribuintes que aufiram rendimentos profissionais e empresariais.

Estes contribuintes tinham até agora a possibilidade de optar pela tributação do seu rendimento ao abrigo de um regime simplificado forfetário, através do qual se determinava qual o montante do rendimento que seria sujeito a tributação através da aplicação de coeficientes variáveis em função da atividade, ou seja, presumia-se que uma determinada percentagem do rendimento corresponderia a despesas da atividade (25% no caso dos prestadores de serviços – “recibos verdes”), sem necessidade de comprovação das despesas, tributando-se apenas o restante montante.

Este regime foi introduzido em 2001 e visava essencialmente evitar que todos os profissionais independentes se vissem forçados a dispor de contabilidade organizada por forma a prestar contas das suas despesas e, por outro lado, evitar o custo da Autoridade Tributária associada ao controlo da contabilidade organizada destes contribuintes. A existência e fiscalização de contabilidade organizada neste tipo de situações é especialmente complexa pela confusão entre despesas pessoais e profissionais (a título de exemplo, as despesas associadas e um imóvel ou automóvel que sejam em simultâneo usados para a vida pessoal e para o exercício da atividade profissional).

Embora com uma redação que permite muitas interpretações, na proposta apresentada pelo Governo propõe-se que os coeficientes atualmente existentes funcionem apenas como teto máximo da dedução que os contribuintes poderão efetuar ao seu rendimento, passando a dedução a corresponder ao valor fixo de 4.104 euros ou ao valor total das despesas relacionadas com a atividade profissional comunicadas à Autoridade Tributária, se este for superior àquele valor fixo, mas sempre com o limite máximo do valor de dedução que resultaria da aplicação do coeficiente. 

Para além da complexificação do regime e de não se conhecer o total alcance que esta medida terá para todos os tipos de atividades abrangidas pelo regime simplificado, esta alteração pode significar um aumento significativo do valor do IRS para muitos dos contribuintes atualmente abrangidos pelo regime simplificado e que agora poderão ver a sua dedução ao rendimento limitada a 4.104 euros.

Note-se ainda que o valor dos 4.104 euros corresponde à atual dedução que os trabalhadores dependentes podem efetuar ao seu rendimento. Embora se possa compreender a adoção deste mesmo valor para o rendimento dos prestadores de serviços (que em muitos casos, os chamados “falsos recibos verdes”, são em substância trabalhadores dependentes), na linha da aproximação do regime dos trabalhadores independentes ao regime dos trabalhadores dependentes, não se percebe qual a relação entre este valor e as restantes atividades abrangidas pelo regime simplificado.

O atual regime simplificado abrange atividades tão díspares como a restauração, o alojamento local ou os prestadores de serviços, e prevê coeficientes que variam entre 10% e 95%, pelo que a medida proposta com um valor fixo de dedução igual para todos os tipos de atividades, que pode ser incrementado em função das despesas incorridas, mas com o teto máximo dos coeficientes já existentes, para além de tornar extremamente complexo um regime que se pretendia simples, mostra-se desajustado pelo menos para a maioria das atividades abrangidas pelo regime simplificado.    

Por último, ao contrário do que vinha a ser noticiado, a proposta de Orçamento do Estado apresentada não trouxe nenhuma novidade para o regime dos Residentes Não Habituais. A inexistência de alterações a este regime confere uma estabilidade importante para o sucesso do mesmo e para a contínua atração de pessoas e investimento para o país, mas não acautela as exigências e queixas que têm surgido dos países do norte da Europa e que, certamente, não diminuirão. 

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