Revenda de gás da Galp pode ter agravado preços cobrados à indústria

Os preços de importação de gás natural subiram em 2013 e 2014, enquanto a Galp reforçou os ganhos com a revenda internacional. Relatório da AdC aponta que o aumento pode ter contribuído para agravar preços cobrados à indústria.

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A Galp tem contratos de aprovisionamento de gás com a Argélia e a Nigéria do tempo em que era uma empresa publica Rui Gaudêncio

Foram os elevados preços do gás natural (dos mais caros na Europa) que levaram a Associação Empresarial de Portugal (AEP) a queixar-se ao anterior Governo e a pedir medidas, em Julho de 2103. E foi na sequência dessa exposição, que entretanto lhe foi remetida, que a Autoridade da Concorrência (AdC) decidiu, nesse mesmo Verão, abrir um inquérito sectorial à actividade do fornecimento de gás natural a consumidores industriais.

Essa análise, que abrange um período a partir de 2010, permitiu à AdC detectar “um conjunto de factores e aspectos estratégicos passíveis de comprometer as condições de concorrência e de contribuir para o nível de preços praticados” em Portugal, no segmento industrial.

Entre eles a estratégia seguida pela Galp depois do sismo e do acidente nuclear de Fukushima (em Março de 2011), que nos anos seguintes fez disparar os preços e a procura de gás natural nos mercados asiáticos. O PÚBLICO questionou a Galp sobre este tema, que optou por não comentar.

Na análise divulgada esta quarta-feira, em que identifica “barreiras à entrada e à expansão” da actividade de novos operadores no mercado de gás natural em Portugal, a entidade reguladora admite que um dos factores que pode ter contribuído para que os preços do gás para a indústria se tenham mantido no topo da lista europeia entre 2010 e 2015 (segundo dados do Eurostat) foi “o aumento do custo de importação de gás natural para Portugal, em 2013 e 2014”.

Este aumento de custos “coincidiu com o reforço da actividade de trading [revenda internacional] de gás natural liquefeito pelo importador histórico [a Galp] e com uma alteração da gestão do seu portefólio de aprovisionamento”, explica a AdC.

Por portefólio de aprovisionamento da Galp, a entidade reguladora refere-se essencialmente aos quatro contratos de aprovisionamento de gás natural que a empresa tem com a Sonatrach (empresa argelina que abastece Portugal via gasoduto, através de Espanha) e com a Nigeria LGN (três contratos), cujas cargas de gás natural liquefeito (GNL) chegam por navio ao terminal de Sines.

Estes contratos de longa duração que a antiga empresa pública Transgás assinou (o da Sonatrach acaba em 2020, assim como um dos três com a Nigéria), garantiram à Galp o exclusivo da importação antes da liberalização do mercado. Esses são, nada mais, nada menos, do que os contratos take or pay (contêm cláusulas que obrigam a comprar quantidades mínimas pré-definidas, com o risco de incumprimento a recair sobre os consumidores, segundo o regulador da energia, a ERSE) que em 2015 estiveram na origem da aplicação à petrolífera de uma nova taxa extraordinária (conhecida como a CESE 2), que a empresa recusou pagar desde o primeiro minuto, estando o caso em tribunal.

Constatando que “parte do gás que a Galp adquire” à Argélia e à Nigéria “não é importado para Portugal, mas antes destinada a trading” para outros países, a AdC conclui, da análise aos dados que lhe foram enviados pela Galp, que, entre 2010 e 2014, as “importações de gás natural para Portugal da Galp decresceram”.

Embora esta redução esteja “em parte relacionada com a quebra na procura interna”, em particular no segmento de produção de electricidade, também coincidiu com o forte crescimento da procura de gás natural na Ásia, e em particular no Japão, que se fez acompanhar por um aumento dos preços, salientou a AdC.

Foi isso que “possibilitou à Galp reforçar a sua actividade de trading internacional” em 2013 e 2014, vendendo o GNL nigeriano (transportado por via marítima e por isso “mais facilmente reorientado em função da geografia de procura”) “nos mercados internacionais onde o preço era mais elevado”, com isso realizando um ganho face aos preços de compra previstos nos contratos com a empresa nigeriana.

A consequência da alteração, “em 2013 e 2014, do padrão de importação” da Galp, ou, como também refere o relatório da AdC, da “alteração no padrão de gestão do portefólio de contratos de aprovisionamento”, foi o reforço do peso nas importações para Portugal de gás vindo de outras proveniências que não a Nigéria, nomeadamente o gás vindo por gasoduto, da Argélia.

Mas este, como notou a AdC, tem uma “importante componente de custo de transporte” relacionado com a utilização de três gasodutos estrangeiros até chegar à fronteira com Portugal, que o torna mais caro na comparação com o GNL nigeriano.

É por isso que a AdC conclui que “a evolução do custo de importação de gás natural revelou um agravamento do custo médio” a partir de 2013 e que esse agravamento “poderá ter contribuído para o desempenho menos favorável dos preços de gás natural a consumidores finais industriais na sua comparação com os preços” existentes nos restantes 28 países da União Europeia (UE).

A relevância desses impactos nos consumidores finais depende essencialmente do grau de transmissão dos custos de importação, explica a AdC, admitindo que no caso dos contratos take or pay essa transferência pode não ser imediata. Isto tendo em conta que as condições contratuais podem, por exemplo, estar associadas a índices de preços e não ter em conta necessariamente a origem do gás importado a cada momento.

Além disso, na actividade regulada de fornecimento de gás aos comercializadores de último recurso (a própria Galp, a EDP Gás, a Tagusgás e a Sonorgás) os preços são definidos pela ERSE “com base na média ponderada, pelas quantidades contratuais, dos preços do cabaz de aprovisionamento dos quatro contratos take or pay” e não com base nos preços de importação (ainda que os consumidores sejam chamados a pagar nas tarifas, se houver desvios negativos).

“Todavia, dada a quota de mercado elevada que a Galp detém no fornecimento aos consumidores industriais” em Portugal, o reflexo do agravamento dos custos de importação nos “preços de fornecimento a este tipo de consumidores pode reflectir-se, mesmo que parcialmente, ao nível das revisões de preços no termo dos contratos ou em novos contratos”, que têm tipicamente a duração de um ano e um preço fixo, conclui a AdC.

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