Isto é um governo ou o clã de António Costa?

Convém que as escolhas de um primeiro-ministro não coincidam com as fotografias do livro de curso da sua classe de Direito de 1982 sempre que é preciso remodelar.

Eduardo Cabrita, novo ministro da Administração Interna, Pedro Siza Vieira, novo ministro adjunto, e o ministro sombra Diogo Lacerda Machado foram colegas de António Costa na Faculdade de Direito de Lisboa. O mesmo aconteceu com José Apolinário, secretário de Estado das Pescas. Ana Paula Vitorino, ministra do Mar, é mulher de Eduardo Cabrita. Um dos secretários de Estado do Ministério das Finanças – António Mendonça Mendes, Assuntos Fiscais – é irmão de Ana Catarina Mendes, secretária-geral adjunta do PS. Carlos César pontifica na Assembleia da República e, como sabemos, dentro do seu agregado familiar falta somente ao periquito conseguir a integração nos quadros da função pública.

Vieira da Silva é ministro da Segurança Social e a sua filha, Mariana Vieira da Silva, secretária de Estado adjunta do primeiro-ministro. O ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, é filho de José Matos Fernandes, antigo secretário de Estado da Justiça de Vera Jardim. Guilherme W. d’Oliveira Martins, secretário de Estado das Infraestruturas, é filho de Guilherme d’Oliveira Martins, triplo ministro de António Guterres. Mário Centeno, ministro das Finanças, não é filho de nenhum socialista famoso, mas anda há dois anos a obedecer às ordens do Largo do Rato – ainda assim, António Costa colocou Fernando Rocha Andrade, seu homem de confiança, a vigiá-lo. O ministro da Educação é um jovem que deve a António Costa a carreira política. O ministro da Saúde deve-lhe o mesmo, mesmo não sendo jovem.

Augusto Santos Silva, Vieira da Silva e Azeredo Lopes já provaram nos tempos socráticos a sua fidelíssima obediência a quem manda. Maria Manuela Leitão Marques foi secretária de Estado de Sócrates. Capoulas Santos e Pedro Marques são velhos quadros do PS que não levantam ondas. A Faculdade de Direito de Lisboa está ainda representada pela ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, e pelo ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes. Há também três secretários de Estado (se as contas não me falham) que foram recrutados aos quadros da Câmara Municipal de Lisboa. Os ministros que faltam nesta lista, e que saem do padrão estabelecido, são o invisível Manuel Heitor, ministro da Ciência e do Ensino Superior, e Manuel Caldeira Cabral, ministro da Economia e eterno remodelável, certamente por vir da Universidade do Minho e lhe faltar o pedigree da Faculdade de Direito de Lisboa.

Perante este quadro, ver António Costa apostar em dois amigos íntimos para preencher as vagas provocadas pela demissão de Constança Urbano de Sousa (já agora: a ex-ministra da Administração Interna fez parte do gabinete do ministro da Justiça António Costa) não se pode propriamente dizer que seja uma escolha surpreendente. Ela combina na perfeição com um governo composto por amigos, familiares, ex-subordinados, apparatchiks e fiéis. É evidente que no meio desta longa lista de nomes há gente competente, tal como é claro que “ser filho de” não justifica a desqualificação imediata de quem teve a sorte (ou o azar) de ter um pai ou uma mãe famosos. Convém, contudo, que as escolhas de um primeiro-ministro não coincidam com as fotografias do livro de curso da sua classe de Direito de 1982 sempre que é preciso remodelar. Escolhas tão lá de casa apenas demonstram, para além de qualquer dúvida razoável, que o actual governo é pouco mais do que uma extensão executiva de António Costa, cada vez mais fechado no seu microcosmos e na sua auto-suficiência.

 

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