Pela primeira vez, a censura é contra uma tragédia

Francisco Assis considera que a moção do CDS serve sobretudo para Cristas afirmar a liderança. Montenegro considera que desta vez é diferente, que “é uma censura política que não era previsível”.

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CDS avança com moção de censura ao Governo LUSA/António José

Desta vez não é a economia. A moção de censura que o CDS apresenta a este Governo é a primeira que tem no seu centro uma tragédia, mais concretamente a forma como o executivo socialista geriu o drama dos incêndios no país. As restantes moções apresentadas ao longo do tempo foram por outros motivos, sendo que a maior parte pretendia mostrar um cartão vermelho aos governos pelas políticas económicas.

A situação económica do país é, regra geral, o motivo que explica estas iniciativas dos partidos. Embora haja, e ainda de acordo com os textos disponíveis no site do Parlamento, outras razões, como situações de política internacional – o apoio à intervenção no Iraque é um exemplo. Neste caso, foram moções contra o Governo de Durão Barroso, da autoria de comunistas e socialistas.

Ao PÚBLICO, o socialista Francisco Assis diz ter memória de algumas moções de censura apresentadas, por exemplo, durante os anos de governação de António Guterres, mas desvaloriza-as: “Não tiveram efeitos nenhuns.” A única que teve foi aquela célebre moção de censura apresentada em Abril de 1987, pelo PRD e contra o Governo liderado pelo social-democrata Cavaco Silva. Foi aprovada e o executivo caía. O que precipitou a decisão foi um conflito respeitante a política externa, uma viagem à Estónia, no âmbito de uma deslocação à União Soviética, dos deputados do Parlamento.

“Acho que as moções de censura servem mais para afirmar algumas lideranças de partidos do que para fragilizar governos. Só se os derrubarem. Se não, até os reforçam”, diz Assis, admitindo, no entanto, que a moção que o CDS agora apresenta ao executivo de António Costa também é uma “tentativa de associar este Governo em funções ao que aconteceu”, de responsabilizá-lo “directamente” pelo drama dos incêndios no país.

Essencialmente, porém, para este socialista, o que esta moção de censura significa é a “necessidade legítima de afirmação de uma determinada liderança” – a da centrista Assunção Cristas, que quer “afirmar a liderança no CDS e no espaço geral da direita em Portugal”, aproveitando “a fragilidade momentânea do PSD”.

Já para o social-democrata Luís Montenegro, “cada caso é um caso”. Depois de acusar a esquerda de, por exemplo na governação do social-democrata Passos Coelho, ter “banalizado” a apresentação de moções de censura que “foram sempre muito inconsequentes e inoportunas”, Montenegro admite que esta moção do CDS é diferente: “Tem uma singularidade, como infelizmente foi a tragédia. Assinala uma censura política concreta de inoperância por parte do Governo no desafio de proteger pessoas e bens. Neste caso, há um falhanço do Governo no sistema de protecção civil. É uma censura política que não era previsível. Aquelas do Bloco de Esquerda e do PCP eram previsíveis.”

O que contam as moções

Olhando para os diferentes textos apresentados ao longo do tempo, percebe-se que Passos enfrentou moções do PCP, do PEV, do PS, e do BE. Em causa, estava a austeridade. Pretendia-se travar “a política de exploração e empobrecimento”, defender a “melhoria da vida do povo português”, condenar a “agenda ideológica ultraliberal”, defender a Constituição e o “direito ao salário e às pensões.

O socialista José Sócrates também não escapou e tanto BE como PCP apresentaram textos contra as políticas sociais e económicas que estavam a ser seguidas no país. Sócrates também foi alvo de moções dos centristas que ora sustentavam a tese de que as eleições europeias “representaram um inequívoco voto de censura face ao Governo” e que daí deviam resultar alterações no Governo, ora apontavam o dedo à situação económica. Falavam nos “problemas colocados às famílias e empresas portuguesas pelos constantes aumentos do preço dos combustíveis” e consideravam que Portugal estava “numa situação económica muito preocupante”.

O Governo do socialista António Guterres também foi alvo de moções de censura do BE, pelas políticas orçamentais; do PSD, pelo programa do executivo; e do CDS. Pelos centristas, falava naquele ano de 2000 o deputado Paulo Portas, justificando a moção de censura “em nome dos pensionistas, que continuam a viver na miséria”, “das famílias, que temem ser assaltadas e das que já o foram”, da classe média.

E Cavaco? Para além daquela que havia de derrubar o executivo, foi contestado por comunistas, centristas, socialistas. Em 1995, o PCP condenava as “graves responsabilidades políticas” do executivo por ter prestado serviços às Forças Armadas da Indonésia (na reparação de helicópteros), mas queria sobretudo denunciar a “degradação da situação económica, social e política do país”. Um ano antes, o CDS criticava a forma como o Governo estava a exercer funções e a executar o programa. Em 1989, era o então deputado socialista António Guterres quem acusa o executivo de Cavaco de não ter estratégia, de agravar as desigualdades, de não promover a transparência e de ser um Governo “centralista e de vocação autoritária”.

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