Reivindico o meu direito de ser infeliz

Quero ter o direito de ter os meus momentos mais depressivos. Quero ter o direito de quebrar, de cair e, se necessário for, de me estatelar no chão. E quero ter o direito de lá ficar até que sinta forças para me levantar

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Fabrice Villard/Unsplash

Sim, leram bem e não existe qualquer tipo de erro no título. Hoje não venho reivindicar o meu direito de ser feliz (que também tenho, é claro), mas sim o direito de ser infeliz. Tenho pensado ultimamente sobre esta questão até porque, sem nenhuma razão em especial, ou, eventualmente, por todas as razões possíveis, tenho-me sentido mais vezes melancólica. Não é uma tristeza a cem por cento, daquelas que nos fazem chorar o dia todo, nos fazem apreciar o facto de passar o dia todo em pijama a “sofazar”, a fim de nos sentirmos miseráveis, e nos fazem comer todo o tipo de porcarias. Não, nada disso. Apenas me sinto com uma sensibilidade mais à flor da pele, uma impaciência a um nível maior do que é habitual, uma menor tolerância para com as situações e as pessoas, um modo menos expansivo de ser e estar… No fundo, aquilo que os ingleses sintetizam com um magistral feeling blue. E a verdade é que acho que tenho o direito de me sentir assim “menos bem”. E foi por causa deste meu “estar” e do diálogo com alguns amigos sobre este assunto que comecei a ponderar sobre este direito de ser/estar infeliz e cheguei à conclusão que existe, à nossa volta, uma certa intolerância para com os menos felizes e, como tal, uma certa pressão para que as pessoas estejam sempre felizes.

Quando passamos por uma situação mais negativa é-nos permitido, pelas pessoas que nos rodeiam, termos o nosso momento de tristeza. É um facto. Mas, por pior que seja a situação — a pior, como a morte de um ente querido, ou outras menos agradáveis, como o desemprego, o fim de uma relação, uma doença —, o certo é que o momento de tristeza não se pode estender por um período de tempo muito alargado, sob pena de as pessoas se começarem a afastar de ti. Não sabemos lidar com a dor, com a tristeza e com o sofrimento. Não queremos pessoas negativas. Pessoas que vêem o lado mais negro da vida não são boa companhia! Como já referi, existe uma certa pressão da sociedade para nos mostrarmos sempre felizes. Essa pressão verifica-se na janela que todos (ou quase todos) temos aberta para o mundo: as redes sociais. Sim, poderá haver um dia em que iremos criar um post indicando que naquele dia não nos sentimos a cem por cento. Mas, no geral, o que iremos colocar naquela janela aberta para o mundo? Os momentos de felicidade, os momentos de festa, os momentos de alegria (ainda que muitas vezes esses momentos sejam apenas fictícios). Mostramos que somos fortes, que somos resilientes, que superamos as dificuldades. Sabemos que é isso que os outros querem ver. Sabemos que eles querem espreitar por cima do ombro, espreitar o mundo alheio e acreditar que ali não mora qualquer tipo de tristeza, mal-estar ou dor. Todos somos felizes neste mundo de faz de conta. E, quando pensamos no quão falsa é aquela vida retratada de um modo sempre tão feliz, defendemo-nos afirmando para nós mesmos: “Não me quero expor”. E essa pouca vontade de exposição até faria sentido se não passássemos a vida a expor um lado da nossa vida — o luminoso —, guardando o lado mais sombrio (que sempre existe) para nós próprios.

E hoje quero mostrar o meu total desacordo com esta situação. Quero ter o direito de estar triste. Quero ter o direito de chorar apenas e só porque me sinto triste nesse dia. E, como mulher que sou, nem preciso de razões muito grandes para ter vontade de chorar. Quero ter o direito de ter os meus momentos mais depressivos. Quero ter o direito de quebrar, de cair e, se necessário for, de me estatelar no chão. E quero ter o direito de lá ficar até que sinta forças para me levantar. Quero ter o direito de estar ali deitada até que sinta que a dor se tornou suportável. Quero ter o direito de poder falar dessa tristeza, o direito de a partilhar como partilho os bons momentos. E, acima de tudo, quero ter o direito de poder contar com as pessoas que amo nesses momentos em que, provavelmente, menos o merecerei. Quero poder contar com eles até ter forças para superar esse estado de maior tristeza.

Temos que perceber que não existe a noção de felicidade se não existir a noção de infelicidade. Como poderia eu saber o que é ser feliz se não tivesse já vivido momentos de profunda infelicidade? Uma é o contraponto da outra. Uma não pode existir sem a outra. E, como tal, temos que perceber que esta caminhada que fazemos pela vida estará sempre recheada de momentos bons e momentos menos bons. Apenas temos que os aceitar sabendo que os bons não duram para sempre, tal como os maus têm sempre um fim. Sabedoria popular e que tão bem define esta questão que é viver.

Sou uma pessoa feliz por natureza. De bem com a vida. Aceito o que ela me traz, normalmente, sem grandes dramas. Mas tenho os meus dias, os meus momentos, que se podem prolongar ou não, de maior tristeza. Momentos em que me sinto mais cabisbaixa, menos esperançosa com o mundo, mais melancólica. Existem dias cinzentos. Por vezes prolongam-se por várias semanas. Contudo, sabemos que cedo ou tarde, o sol, com a sua luz, virá. O mesmo se passa com os estados menos felizes. Por isso, exijo o direito de estar triste. Exijo poder sentir-me assim sem me sentir culpada por não estar feliz. Há que reconhecer que temos esse direito, reconhecer que precisamos da tristeza, da angústia, da desilusão, do desengano para percebermos os sentimentos de alegria, encanto, ilusão e felicidade. Seremos, com certeza, seres humanos mais equilibrados quando nos oferecermos o luxo de, por vezes, estar triste. Por isso volto a dizer que reivindico o meu direito de estar triste, pouco feliz, e não deixo que ninguém mo queira roubar.

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