Bombeiros saúdam profissionalização, mas duvidam que haja dinheiro

Passagem da gestão dos meios aéreos para a Força Aérea permite poupar dinheiro aos contribuintes, dizem corporações.

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PAULO PIMENTA

Os comandantes das corporações de bombeiros com quem o PÚBLICO falou dizem estar de acordo com as medidas do governo para o sector e saúdam a anunciada profissionalização, mas querem saber de que forma ela vai ser feita e se, realmente, haverá dinheiro para uma medida que se adivinha muito cara.

“Já existem os ‘canarinhos” [forças profissionalizadas de bombeiros], mas nem todos estão afectos a nenhuma corporação em especial. Ganham 800 a 900 euros por mês, o que significa que custam pelo menos mil euros por mês ao Estado. Será que vai haver dinheiro para contratar mais 200 ou 300 destes profissionais?”, pergunta Nelson Cruz, comandante dos bombeiros das Caldas da Rainha.

É que as equipas de intervenção permanente, que são formados por profissionais, trabalham 40 horas por semana, pelo que as necessidades de contemplar mais horas e todo o território obrigariam a um aumento brutal na despesa pública. “Não sei se haverá Orçamento de Estado que aguente”, diz o comandante, que defende que os futuros profissionais deveriam ser recrutados dentro das corporações e a elas continuarem afectos, aproveitando a sua experiência e o conhecimento do terreno.

Mas alerta: “estas equipas deveriam ter um regulamento próprio que não seja a Lei Geral do Trabalho para contemplar a especificidade desta profissão”. Nelson Cruz alerta que “se abrirem concurso, as corporações ficam sem voluntários pois estes vão para esses corpos profissionais, à semelhança do que aconteceu com a Força Especial de Bombeiros”, nota.

Discorda, por outro lado, da especialização dos bombeiros entre os que combatem os incêndios e os que tomam conta das habitações. “Devem ser todos polivalentes”, afirma. “Não pode haver essa diferenciação”.

Nelson Cruz concorda com as medidas apresentadas, mas pensa que continua a apostar-se mais no combate e se descura a prevenção. “Eu andei em teatros de operações onde proprietários de terrenos vinham ralhar comigo por não haver mais bombeiros e tinham mata que chegava à altura dos eucaliptos”, conta, sublinhando que 90% da mancha florestal do país é de privados, a maioria dos quais não cumpre a lei.

E dá mais exemplos: “a EN236 em Pedrógão tinha eucaliptos à beira da estrada porque a lei não foi respeitada nem cumprida. Da mesma forma que não é admissível haver zonas industriais em que a floresta está encostada às fábricas. Falta fiscalização”. 

O comandante alertou também para o facto de as mortes terem ocorrido em momentos em que os dispositivos estavam reduzidos. “Pedrógão aconteceu em Junho e as últimas mortes em Outubro. Durante a fase Charlie ninguém morreu, o que significa que, se calhar, o dispositivo previsto até funciona”. 

Já quanto à passagem dos meios aéreos para a Força Aérea, Nelson Cruz crê que é uma boa medida para a qual não sabe se neste momento há condições. Mas a prazo, diz, permitir reduzir custos. “Basta dizer que o prolongamento dos meios aéreos por mais 15 dias custou 1,4 milhões de euros”, referiu.

Luís Lopes, comandante dos bombeiros de Leiria, também concorda com a profissionalização, mas questiona-se sobre se o modelo será igual aos das EIP (Equipas de Intervenção Permanentes), que só trabalham 40 horas por semana, o que é incompatível com a nova realidade dos incêndios durante todo o ano, em parte, devido às alterações climáticas. 

"É preciso ver se se pretende ter uma força preparada e treinada que possa operar no terreno o ano inteiro”, alerta.

A aparente generosidade financeira do Governo em pagar para possuir profissionais faz desconfiar os comandantes das corporações. Luís Lopes diz que as escolas de bombeiros se debatem com problemas de financiamento e que os quartéis têm veículos e equipamento há dezena de anos sem um plano de reequipamento. Será que agora vai haver dinheiro para tudo?

O comandante dos bombeiros leirienses diz que faz falta uma estrutura de comando dos bombeiros. “Se a GNR, a Força Aérea, a PSP têm a sua estrutura de comando, por que não hão-de os bombeiros ter a sua?”. Em seu entender a Protecção Civil deveria coordenar, enquanto o órgão de comando operacional pertenceria aos bombeiros.

Em sintonia está o comandante da corporação de Vieira de Leiria, João Lavos, que defende estruturas de comando distritais para os bombeiros. “A Autoridade Nacional de Protecção Civil até funciona bem e não tenho tido razões de queixa, mas acho que seria mais viável um comando dos bombeiros que poderia trabalhar em colaboração com a Protecção Civil”.

Quanto à nova missão que vai ser atribuída à Força Aérea na gestão e combate aos incêndios, diz estar de acordo pois esta tem bases em todo o país e conhece e controla todo o espaço aéreo.

Florestas secundarizadas

Rute Santos, coordenadora da APAS-Floresta – Associação de Produtores Florestais (que contempla 23 concelhos dos distritos de Leiria, Lisboa e Santarém), diz que as medidas do governo não são suficientes porque deixam à margem o problema estrutural da prevenção e do ordenamento florestal e voltam a concentrar-se no combate aos incêndios.

“Era necessário trabalhar mais na formação e na sensibilização dos proprietários da floresta”, refere, acrescentando que duvida da eficácia e da própria necessidade das novas medidas: “já existe muita legislação, mas há muitos anos que não é aplicada. Andamos a tomar outras medidas sem explorar as que já existem”. E dá exemplos: todos os municípios têm um Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios, mas não os aplicam.  

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