Enquanto ainda cheira a queimado…

É normal não haver uma centralização destas necessidades, e dos apoios? Não, não é. É um desperdício, e este é o tipo de desperdício de recursos que enerva profundamente.

Há vários défices ligados à questão dos incêndios em Portugal, mas não é com as despesas e impacto no défice orçamental que nos devemos preocupar (até porque não é com dinheiro que todos os problemas se resolvem). Deixando o tema da maior ou menor eficácia no ordenamento florestal e combate aos fogos para quem percebe mesmo do assunto, há a questão da informação. E, nesse campo, continuamos com défices crónicos.

Porque foi de isolamento e de falta de comunicação que muitas pessoas se queixaram, enquanto envoltas pelas chamas. O que se passa? Onde estão os socorros? Como agir?

Nada. Silêncio.

E isso é algo que não se pode voltar a repetir. Têm de ser aproveitadas estruturas existentes -- mais do que criar outras de raiz –, como as juntas de freguesia e rádios locais, que sirvam de elo de ligação entre quem tem a informação e quem precisa dela para subsistir ou sobreviver.  Seja na fase das medidas de prevenção – avisar que as condições meteorológicas estão especialmente favoráveis a incêndios e evitar o lançamento de foguetes e a realização de queimadas –, seja na das medidas de emergência. Aqui, e sendo Portugal um país católico, também a igreja tem um papel importante a desempenhar, funcionando as missas de domingo como pólo de comunicação.

A falta de informação é tão notória que, neste momento, com pessoas, animais e empresas em dificuldades, a maior parte de nós não faz a mínima ideia de quem é que realmente precisa de alguma coisa, e do que é que precisa.

Um exemplo: o concelho de Tondela foi um dos afectados pela última vaga de incêndios, mortais. Na sua página de internet colocou no dia 18 uma lista do que é que era necessário para apoiar as pessoais mais afectadas, como roupas, produtos de higiene pessoal, bens alimentares secos, rações e feno para animais.

Logo no dia 21, já dava conta de que não era preciso mais roupa, mostrando que recebera mais do que precisava, e do que conseguia dar conta. “Pedimos a todos que dirijam os esforços a outros que poderão necessitar mais do que nós. Um enorme bem-haja a todos”, lê-se no site. Quem são os outros que precisam? Não sei, mas haverá certamente. É normal não haver uma centralização destas necessidades, e dos apoios? Não, não é. É um desperdício, e este é o tipo de desperdício de recursos que enerva profundamente.

Na página da Associação Nacional de Municípios Portugueses há uma mensagem de pesar sobre o que aconteceu, e sublinha-se “a disponibilidade para uma reflexão profunda e conjunta de todos os agentes intervenientes”. Não era mau começar ela própria a prestar o serviço público de informar o que se passa nos concelhos afectados, com actualização diária. 

Temos, depois, outro problema ligado à informação: saber que mudanças vai fazer o Governo, de que forma estas serão ou não aplicadas no terreno, e o que vai acontecendo às promessas de apoio a quem dele precisa. Aqui, a comunicação social tem uma responsabilidade acrescida de acompanhamento e verificação dos factos, combatendo a tendência de deixar de falar do assunto quando deixar de cheirar a queimado.

O que aconteceu foi tão extraordinariamente mau que não permite outra forma de agir.

O Governo pode também ajudar a fazer a diferença, com um site dedicado ao tema dos incêndios, ao que aconteceu, ao que promete ser feito, ao que está a ser implementado e ao que falta ainda cumprir. Resta saber se está disponível para este tipo de transparência.

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