Mutualização da dívida europeia: o que podemos aprender da experiência nacional? (Parte II)

Se o país não é capaz de mutualizar a dívida pública “cá dentro”, como podemos sequer pensar em discutir a mutualização da dívida pública da Zona Euro?

Na parte I desta análise procurou-se, de modo simplificado, realçar as vantagens que um modelo generoso de mutualização da dívida europeia teria para um país endividado, como Portugal. De entre os efeitos positivos, destaca-se a descida significativa da despesa com os juros da dívida pública, logo no défice, e a redução da dívida pública e da dívida externa: em termos nominais, do peso da dívida pública e da dívida externa líquida em 37,2 p.p. do PIB. Mas como referi na parte I, é improvável que a mutualização de dívida pública da zona euro algum dia se faça nesses termos. Por diversas razões.

De salientar que em cada país membro da zona euro a dívida das Administrações Públicas não é plenamente mutualizada, com diferentes entidades das Administrações Públicas a financiarem-se a taxas de juro mais elevadas que a dívida titulada do soberano.

É, pois, natural que se questione por que razão, a nível nacional, não se faz a mutualização da dívida de todas as entidades que estão no perímetro de consolidação das contas públicas, isto é que contam para as estatísticas do défice e da dívida pública, em particular, da Administração Local, da Administração Regional e das empresas do sector empresarial do Estado (SEE).

De facto, a dívida emitida pelas empresas do SEE, pelas Autarquias e Regiões Autónomas apresenta, em geral, custos de financiamento mais elevados do que a dívida directa do Estado. Por exemplo, a dívida titulada da empresa Infraestruturas de Portugal, com maturidade em 2030, transacciona-se actualmente no mercado secundário a uma taxa de juro implícita de 5,54%, enquanto as Obrigações do Tesouro com a mesma maturidade se transacionam com uma taxa de juro de 2,8%, i.e., é cerca de metade da primeira. E a emissão de dívida do Governo Regional da Madeira e dos Açores, com maturidades a 10 anos, é feita com um “spread” de cerca de 1,5 pontos percentuais em relação à dívida da República.

Em resultado dos custos de financiamento mais elevados dessas e de outras entidades dentro do perímetro de consolidação das contas públicas, estimo que a despesa com juros das Administrações Públicas tenha sido, em 2016, cerca de 300 milhões de euros mais elevada do que seria se a sua dívida fosse mutualizada, i.e., financiada através de dívida directa do Estado. E, claro, toda a dívida de vários milhares de milhões de euros, que resultou dos contratos swaps de alegada protecção do risco de taxa de juro, ocorre porque as empresas do SEE se viram obrigadas a contrair swaps junto da banca para obter financiamento a taxas de juro “razoáveis”. Se estas empresas se financiassem através da dívida directa do Estado, não teria sido necessário contrair contratos de swaps e não teriam ocorrido essas perdas.

Se o País defende que é necessária uma mutualização de dívida a nível europeu, por que motivo é que não é capaz, ou não quer, realizar uma mutualização de dívida a nível das Administrações Públicas portuguesas e SEE no perímetro de consolidação, dívida que, de qualquer modo, conta para a dívida pública e tem efeitos no défice público?

Nesse processo de mutualização da dívida pública nacional, essas entidades perderiam alguma autonomia, tal como o país perderia alguma soberania no caso de mutualização da dívida pública da zona euro.

De facto, se o país não é capaz de mutualizar a dívida pública “cá dentro”, que teria vantagens, não só para as contas das Administrações Públicas e SEE, mas que teria custos e riscos, nomeadamente menos autonomia para essas entidades, como podemos sequer pensar em discutir a mutualização da dívida pública da Zona Euro?

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