Elevadores: câmaras engordam tesouraria com taxas cobradas aos condomínios

Descentralização para as câmaras municipais de responsabilidades na fiscalização de elevadores trouxe às autarquias uma espécie de “poder fiscal próprio” que Provedor de Justiça pediu para corrigir há quatro anos. Desde então, nada foi feito.

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Caiu em saco roto. O então provedor de Justiça, Alfredo José de Sousa, bem tinha demonstrado a sua discordância com os encargos impostos pelas câmaras municipais aos proprietários de edifícios e condomínios quando estes solicitam um serviço que é obrigatório por lei: a inspecção dos elevadores e respectiva reinspecção. Quando há quatro anos recomendou ao governo que alterasse a legislação que permite às autarquias criar taxas sem critério aparente que não apenas a arrecadação de receitas, este comprometeu-se a tomar medidas.

O provedor analisou vários regulamentos municipais de taxas e não encontrou “justificação razoável” para a disparidade de valores entre o que é cobrado pelas câmaras (há as que cobram 70 euros, outras que chegam as 200 euros, exactamente pelo mesmo serviço) e pela diferença que existe entre o valor que é cobrado aos munícipes e o que é pago às entidades inspectoras.

“Nas inspecções periódicas dos elevadores, o valor cobrado aos munícipes chega a ser oito vezes superior ao valor pago às entidades inspectoras externas, sem que se encontre qualquer acto tecnicamente complexo ou de montante económico considerável, praticado pelos municípios, que justifique esta diferença de valores”, avisa o provedor de Justiça em 2013. Quatro anos depois são comuns os casos de câmaras que cobram aos munícipes taxas na ordem dos 150 e 200 euros e pagam às entidades inspectoras valores na ordem dos 40 euros.

O provedor alertava para o facto de, neste processo, as câmaras não serem mais do meras intermediárias entre o munícipe e uma empresa privada que lhes presta um serviço. E que “o valor arrecadado por cada município, para o seu erário, depois de liquidada a prestação do serviço pela entidade inspectora acaba, nestes casos, por representar algo mais próximo de um imposto do que verdadeiramente de uma taxa”.

Apesar do vasto conjunto de sugestões elaboradas pelo provedor de Justiça em 2013, a única mexida que o Governo permitiu foi a criação de um regime de contra-ordenações para aplicar às empresas que fazem as inspecções - onde se estipula as coimas que tem de pagar em caso de incumprimento - e que entrou em vigor em Agosto de 2013. De resto, as situações detectadas pelo Provedor de Justiça há quatro anos não só se mantêm como, em alguns casos, se terão até agravado.

O resultado é que o valor pago pelos proprietários dos elevadores subiu cerca de 200% no caso das inspecções periódicas face ao regime que vigorava em 2003, antes de avançar este processo de descentralização. E os valores pagos às entidades inspectoras não chegavam a 40% da taxa recebida pelas câmaras municipais. Este regime acabou a dar às autarquias uma importante fonte de receitas, que podem gerir consoante as necessidades.

Como chegámos aqui?

Até 2003 as competências em matéria de licenciamento e fiscalização das instalações de elevadores estavam nas direcções regionais de economia, e o valor da taxa então cobrada por cada serviço pelas entidades inspectoras era de 70 euros em todo o país. Com a entrada em vigor do Decreto lei 320/2002 esta competência foi transferida para as câmaras municipais, e, se nos primeiros anos, confirmou o PÚBLICO, os valores pagos pelos municípios às entidades inspectoras rondavam os 40 a 45 euros, os valores começaram a baixar drasticamente. Hoje em dia é possível pagarem 20 euros pelo serviço de inspecção.

Esta degradação de preços ao prestador de serviços explica-se pela proliferação de concursos lançados pelas câmaras municipais e pelo crescente número de empresas de manutenção. O que as câmaras fazem é lançar concurso públicos para encontrar um prestador de serviços global, isto é, quem fique com a responsabilidade de fiscalização e manutenção de todos os elevadores do município. Só que cada município avança com preços base (valores máximos que o município se propõe a pagar) cada vez mais baixos, pelo que o valor unitário de uma inspecção é cada vez mais baixo. Em alguns casos, bastante abaixo do custo que as empresas tem a fazer o serviço.

Preços anormalmente baixos

O PÚBLICO consultou o Base, o portal onde são publicitados todos os contratos públicos, teve acesso a algumas das actas então assinadas, e confirmou todas essas disparidades de preços, sem critério aparente. Outra questão encontrada na documentação consultada pelo PÚBLICO é o facto de as empresas esmagarem de tal forma os preços para ganharem o concurso, que acabam por se propor fazer trabalhos de inspecção a preços unitários de um euro - claramente abaixo do preço de custo. O que, percebe-se, não chegará para pagar a deslocação do técnico que a vai fazer. 

Mas o entendimento dos serviços jurídicos de algumas autarquias  - como a de Lamego, por exemplo, a que o PÚBLICO teve acesso - é que a proibição de venda com prejuízo se aplica apenas à venda de bens e não à prestação de serviços. O que interessa nestes concursos, defendem as câmaras, é o preço com que é feita a adjudicação global, e o critério para eliminar empresas (aplicando a regra dos preços anormalmente baixos que está em vigor no Código dos Contratos publicos, isto é, quando o preço está 40% abaixo do preço base). E quem define o preço base dos concursos são os próprios municípios.

Falta de transparência

No seu parecer, Alfredo José de Sousa notou que a escolha das entidades inspectoras, por parte do município, gerava ainda outros problemas aos munícipes: se quiserem escolher outra entidade inspectora, por terem ficado insatisfeitos com o serviço prestado, não podem fazê-lo; se pretenderem mantê-la, nada podem contra a alteração da entidade inspectora que a câmara municipal vier a deliberar.

Outro caso detectado pelo provedor, e que se mantém na grande maioria das autarquias, é que os regulamentos municipais não diferenciam a taxa pelo serviço público concretamente prestado (uma componente fixa da taxa) do preço efectivo da inspecção (componente variável). Alfredo José de Sousa sublinhou os casos dos municípios de Vendas Novas, Vila Nova de Paiva e Penamacor que cobravam, respectivamente, 13,22 euros, cinco euros, e 4,76 euros pela taxa de serviço público prestado, a que acresce o preço cobrado pelas entidades inspectoras. De resto, na maior parte dos municípios, as componentes da taxa não são discriminadas e os valores cobrados aos munícipes oscilavam entre os 44,5 euros e os 343 euros pela prestação, exactamente, do mesmo serviço.

O PÚBLICO tentou perceber junto da secretaria de Estado da Energia se o Governo estava a preparar alguma alteração a esta legislação, na sequência das recomendações do Provedor. Mas do Ministério da Economia não saiu nenhuma resposta positiva. Também a Associação Nacional de Municípios, auscultada pelo PÚBLICO acerca das intenções de mudança desses desequilíbrios, confirmou que não está nada previsto, e que a ANMP não foi consultada para nenhuma alteração à lei.

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