É sempre tempo para Sunshine reggae, é altura de receber os Laid Back

O duo dinamarquês fez furor nos anos 1980 com singles como Sunshine reggae, enquanto, sem saber, a sua música aquecia as pistas de clubes norte-americanos. Estreia-se em Portugal dia 26, no Jameson Urban Routes, no Musicbox.

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Os Laiback estreiam-se em Portugal 34 anos depois de terem passado pelo país para receber um disco de ouro DR

Primeiro momento: uma banda actua na primeira parte de um concerto dos Kinks em Copenhaga e a actuação é tão desastrosa que a banda acaba. Segundo momento: dois dos membros dessa banda, que haviam prosseguido carreira enquanto duo, passam por Portugal, em 1983, para receber o disco de ouro atribuído por Sunshine reggae, single de êxito por essa Europa fora. Terceiro momento: White horse, lado B de Sunshine reggae, faz o seu caminho nos clubes americanos e torna-se canção de referência na música de dança electrónica e, com o passar dos anos, é samplada por Prince, Snopp Dogg, Justin Timberlake, Janet Jackson ou 2 Live Crew.

História curiosa a de John Guldberg e Tim Stahl, os Laid Back, estrelas na Dinamarca, one hit wonders aqui e ali (em Portugal, certamente), agentes inadvertidos da consolidação do synth pop, dos sons suaves do balearic beat e da música electrónica na década de 1980. Tantos anos depois da rápida passagem por Portugal, estarão no Musicbox para o seu primeiro concerto português, integrados na programação do Jameson Urban Routes (26 de Outubro, às 0h30, 15 euros, numa sessão que inclui também a actuação de Captain Casablanca, alter-ego de Casper Clausen, vocalista dos Efterklang e dos Liima).

Tempo, portanto, para ouvir o presente dos Laid Back e também Sunshine reggae, claro, White horse (é obrigatório) ou Bakerman (é muito provável que a reconheçam ao primeiro refrão e talvez se recordem do vídeo da banda em coreografias aéreas, realizado por um certo Lars Von Trier). Tempo para encontrar uma banda que conjugava o apelo físico da música e a criatividade aberta pelas novas potencialidades tecnológicas com letras simples e minimalistas que se liam como comentário mordaz ao modo de vida ocidental. Uma banda cuja música sobreviveu praticamente incólume à passagem do tempo.

Do electro adocicado a italodisco da irresistível White horse a essa bomba para a pista de dança que é Cocaine cool (esquecida nos arquivos desde 1981 e editada em 2010), passando pela pop electrónica de Bakerman, que poderia ser criação dos Hot Chip, caso estes existissem nos anos 1980, e pelas letras de High society world (adequadíssima aos nossos tempos de obsessão com a celebridade) ou de Why is everybody in such a hurry? (adequadíssima a estes tempos sem tempo livre), muito há nos Laid Back para o presente aproveitar. “Temos muito orgulho na intemporalidade que reconhecem na nossa música. Mantemos os pés no chão e só fazemos o que a música nos diz para fazer. Servir a canção, isso para nós é muito importante”, acentuam.

John Guldberg e Tim Stahl estão em Copenhaga quando atendem o telefonema do PÚBLICO. Ensaiam exactamente no mesmo sítio em que tudo começou, o estúdio que construíram depois do concerto desastroso na primeira parte dos Kinks. Essa necessidade de um refúgio onde pudessem criar sem espalhafato, é fundamental neles. “Foi provavelmente isso que nos permitiu manter a pureza da música. Andamos por aí, viajamos, mas o melhor de tudo é quando voltamos a este espaço. Conhecemos intimamente tudo o que aqui temos, sentimo-nos completamente descontraídos”.

Nos anos 1980, quando os seus singles escalavam tabelas de vendas, viveram a vida do estrelato – as festas, as solicitações, as capas de revistas, tudo a que tinham direito. Não desdenham esse passado, mas está bem onde está – no passado, entenda-se. “Para sermos honestos, não gostávamos de o reviver. Não apreciámos assim tanto essa vida. É fácil alguém se deixar levar demasiado longe por tudo o que acontece à sua volta nessas situações, e nós tentámos dar o nosso melhor para conviver com aquela realidade, mas é difícil de suportar. Gostamos de fazer música e de dar concertos, não desse outro mundo”, confessam. Talvez seja essa a razão pela qual a memória desses anos não seja muito nítida – da passagem por Portugal, por exemplo, não ficou nada: “Foi há tanto tempo... Não nos lembramos, não nos lembramos de nada”, gargalham. Já o momento em que tudo começou está bem presente.

Lá está então a Starbox Band, no final dos anos 1970, preparada para actuação em momento nobre, a primeira parte dos míticos Kinks. Acontece que o público estava ali para ver os britânicos e não se mostrou particularmente interessado numa banda rock com secção de sopros a tocar “velhos clássicos” – “éramos como que uma banda de covers”, recordam. “No final do nosso concerto, não tinha ficado ninguém para nos ver. Toda a gente tinha ido para o bar ou estava a fumar algures”. A banda acabou ali e John Guldberg e Tim Stahl abraçaram o futuro. “Decidimos arranjar um pequeno estúdio e criar música para nós mesmos, basicamente. Imaginámo-nos como uma banda de álbuns. Não pensámos em singles, em grandes êxitos. Isso chegou depois”.

O detalhe fundamental nesta história é a tecnologia – ou melhor, o uso que s Laid Back lhe deram. Nessa altura, contam, começavam a estar disponíveis em Copenhaga novos sintetizadores ou máquinas como a caixa de ritmos Roland 808, peça fundamental na história do hip hop e da música electrónica de dança. “Era novo equipamento e eram novos sons, o que para nós foi um alívio. Antes, era sempre tudo igual: baixo, bateria e guitarra. Para nós, representava liberdade. Os novos instrumentos libertaram-nos e deram-nos espaço”. Em Copenhaga, enfiados no estúdio, iam descobrindo e criando – ao mesmo tempo. Ilustram-no com a história do nascimento de Bakerman, o seu grande êxito de 1989. “Começámos a ‘groovar’ num ritmo, decidimos gravar e aconteceu exactamente enquanto gravámos. No final da fita, tínhamos Bakerman. Só assim é que faz sentido para nós. Directo do coração”.

Em Copenhaga, internet e comunicação instantânea como ideias de ficção científica, estavam isolados. Não tinham à sua volta ninguém a explorar a electrónica e desconheciam que, nos Estados Unidos, a house e o techno faziam o seu caminho. “Só tínhamos noção das coisas através das tabelas de venda. Fora isso, não sabíamos nada do que se passava”. E assim, demoraram mais de uma década a perceber que White horse era uma música que fazia furor no underground americano e seria aproveitada por uma diversidade de outros artistas.

Hoje, acham curioso o caminho que a sua música foi fazendo: por um lado, são autores de canções pop imediatamente reconhecíveis para toda uma geração que crescia na década de 1980, por outro, são agora vistos como artífices inspirados da synth-pop e desse som electrónico, polvilhado de soft rock ou de dub, a que chamaram balearic beat.

Continuam a gravar no estúdio de sempre, tendo alargado o seu raio de acção para a criação de bandas sonoras. Continuam a fazer como sempre fizeram desde o tal concerto na primeira parte dos Kinks. Agora regressam a Portugal e, desta vez, vêm mesmo para tocar. Arriscamos que, daqui a vinte anos, ainda se lembrarão de ter passado por cá.

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