Palavras, expressões e algumas irritações: resiliência

Na Física, “resiliência” significa “propriedade de um corpo de recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação”. Transpondo para os comportamentos humanos, pode traduzir-se por “capacidade de superar adversidades”. Ainda assim, nunca se regressa à “forma original”

Foi a palavra mais procurada no dicionário online da Priberam nos anos de 2014, 2015 e 2016, considerando as buscas por falantes de português a partir de vários países. “Resiliência” voltou recentemente a ter protagonismo por declarações de Constança Urbano de Sousa depois dos incêndios do fim-de-semana passado.

Na segunda-feira, quando ainda ocupava o cargo de ministra da Administração Interna, disse: “As comunidades têm de se tornar mais resilientes às catástrofes. Infelizmente numa era de alterações climáticas que estamos a viver, as catástrofes de grande dimensão são uma realidade por todo o mundo.”

Na Física, “resiliência” significa “propriedade de um corpo de recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação” e “capacidade de resistência de um material ao choque”.

Transpondo para os comportamentos humanos, pode traduzir-se por “capacidade de superar, de recuperar de adversidades”. Ainda assim, nunca se regressa à “forma original”. Vem à memória o exercício a que alguns professores recorrem para falar de bullying aos jovens. Pedem-lhes que amarrotem uma folha de papel e a atirem para o chão. Depois, recolhem-na, desdobram-na e tentam alisá-la. Perguntam então se lhes parece que a folha alguma vez será como antes.

A reacção mais certeira que encontrámos às declarações da ex-ministra veio de Helena Roseta: “Quando as pessoas desamparadas, um pouco por todo o Norte e Centro do país, tentavam apagar as chamas com baldes e enxadas e acabavam a chorar os seus mortos, não se pode dizer-lhes que sejam resilientes.”

Também o secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, foi infeliz e insensível nas declarações à SIC Notícias, afirmando que não podemos ficar “à espera que apareçam os bombeiros e que apareçam os aviões para nos resolverem o problema”.

Disse ainda que as comunidades têm de ser “proactivas” — uma palavrinha irritante que fica para explorarmos noutro dia. Quando os motivos forem menos tristes.

A rubrica Palavras, expressões e algumas irritações encontra-se publicada no P2, caderno de domingo do PÚBLICO

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João Catarino

A rubrica Semana ilustrada, nesta edição assinada por João Catarino e que reflecte os incêndios do fim-de-semana passadoencontra-se publicada no P2

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