Meios de vigilância e socorro reforçados no porto da Póvoa

Barra poveira continua a ser muito insegura, mas o município e pescadores exigem intervenção de fundo no porto para minimizar riscos.

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Dezenas de embarcações usam o porto da Póvoa, com dificuldades e riscos Paulo Pimenta

O Porto da Póvoa de Varzim vai receber, este ano ainda ou no início de 2018, uma estação do projecto Costa Segura, com a qual a Autoridade Marítima espera melhorar substancialmente as condições de avaliação do estado do mar nesta barra perigosa e os tempos de ajuda a embarcações em dificuldades. Outrora o maior porto do Norte do país, a enseada poveira perdeu há décadas importância para Leixões, mas a autarquia e as associações de pescadores querem que o Governo intervenha para garantir as condições de segurança exigíveis, tendo em conta a dimensão da comunidade piscatória local.

Poveiros e caxineiros, já no vizinho concelho de Vila do Conde, formam uma das maiores comunidades de pescadores do país mas há muito que os portos de Vila do Conde, na foz do Rio Ave, e da Póvoa, uma enseada protegida por dois dois quebramares, deixaram de ser o porto preferencial de uma frota que se espalhou por toda a costa portuguesa. Ainda assim, para dezenas de embarcações que por ali trabalham regularmente, as condições existentes deixam muito a desejar. E se não há notícia de acidentes regulares é porque a cultura dos pescadores mudou, e a segurança, garantem várias vozes, passou a ser uma prioridade.

Numa barra cujos perigos, principalmente no Inverno, são conhecidos há muito, as condições de vigilância e socorro vão melhorar substancialmente nos próximos meses. No primeiro semestre de 2018, a Marinha vai colocar aqui o primeiro dos dois novos salva-vidas que estão a ser construídos no Alfeite, e o capitão do Porto de Vila do Conde/Póvoa de Varzim, José Marques Coelho, não vê a hora da chegada do Cego do Maio - assim se chamará em honra do grande herói salva-vidas poveiro - um barco em fibra, totalmente coberto, veloz e muito manobrável que terá acoplada, à ré, uma moto-de-água. Esta será essencial para operações mais delicadas, em zonas em que a embarcação não se consiga aproximar, como por exemplo em acidentes junto a molhes ou penedias.  

Mas, ainda antes da chegada do Cego do Maio, a Póvoa verá o seu porto equipado com o sistema Costa Segura. Tal como as já instaladas noutros portos, a estação poveira vai ter um radar com uma cobertura de 24 milhas, uma câmara com capacidade de visão diurna e noturna e um alcance de cerca de três quilómetros, um sistema automático de identificação (AIS) e seguimento de alvos, com alarmes associados, rádio vhf e um 'software' de integração de todos estes dados, para gestão da informação.

Ligado à capitania local e ao Centro de Operações Marítimas, nas mesmas instalações do Centro de Coordenação de Busca e Salvamento Marítimo de Lisboa, este sistema garante que haverá uma vigilância de 24 sobre 24 horas nos portos onde está instalado. E a tecnologia que inclui vai permitir uma melhor avaliação visual do estado do mar à entrada da barra e a vigilância da navegação na zona abrangida. O capitão do porto poveiro adianta que vai ser possível por exemplo, delimitar, informaticamente áreas mais perigosas e, detectada a aproximação de qualquer embarcação, emitir avisos automáticos e, se for o caso, pôr os meios de socorro em prontidão para actuarem. Uma mais valia principalmente para veleiros estrangeiros que, desafiando o risco, entram muitas vezes no primeiro porto que encontram.

Barra muito condicionada

já em relação à frota pesqueira local, o comportamento é bem mais cuidadoso do que noutros tempos, seja por mudança cultural, melhoria da informação disponível ou ainda porque, interpreta o capitão, com o apoio, maior ou menor do Estado, em caso de paragem, já não se passa fome como dantes. E sabe-se, historicamente, como essa pressão do desespero originava comportamentos de risco e, foi, muitas vezes, um passaporte para a morte. “As pessoas estão melhor preparadas e conseguem planear o trabalho com as condicionantes existentes”, que são muitas, assume o responsável da Marinha neste porto.

O mestre Mário Dinis, que ainda nesta sexta-feira participou com a sua embarcação, José Rui, num simulacro de acidente no porto poveiro, explica que o assoreamento da barra da Póvoa condiciona a navegação “demasiados dias” por ano. Sem dragagens ao ritmo pedido pelos pescadores, entrar ou sair deixa de ser possível com vaga acima dos 2,5 metros, algo que para uma motora como a sua, de 18 metros, e bem equipada, seria fácil, noutra barra. Ainda na semana passada, nota, sabendo que domingo não conseguiria sair à noite para o mar, pegou no barco no sábado de manhã, e levou-o para Leixões, de onde iniciou, no dia seguinte, a jornada de trabalho.

Leixões é outra conversa. Num debate sobre segurança no mar, a propósito dos 200 anos do nascimento do herói salva-vidas poveiro Cego do Maio, Jerónimo Viana, mestre da traineira Queridos Netos e dirigente da Mútua dos Pescadores, lembrava que já chegou a entrar em Matosinhos com vaga de sete metros. “Na Póvoa, ou na Vila” -  como aqui chamam a Vila do Conde - “nunca tal aconteceria", vincou, recordando o naufrágio, no início da década de 80, do Cordeiro de Deus, ali, naquela mesma barra muitos outros morreram e onde outros, se não ficaram, iam ficando.   

Com 40 anos, duas dúzias deles no mar, Mário Dinis já teve os seus sustos. Mas da mesma forma que assume que aos 18 ou aos 20 anos, e já mestre, tentava entrar por ali, “destemido”, de qualquer maneira, este caxineiro garante que, com a idade, foi “amadurecendo e, por amor aos filhos, à família”, avalia sempre as condições de segurança, chegando, por vezes, a ligar para o pai, a quem pede conselho. E se este lhe diz que não dá, muda o rumo para Leixões. Um porto seguro que ninguém quer perder.

Póvoa alternativa a Leixões?

Entre os pescadores que operam a partir de Leixões, há muito que se fala da possibilidade de este importante porto comercial vir a reduzir a área de atracagem de embarcações de pesca, para dar mais espaço a um crescente movimento de mercadorias, mas fonte da secretaria de Estado das Pescas garantiu ao PÚBLICO, numa curta resposta por email, que “não existe nenhuma intenção de reduzir a capacidade para a pesca em Leixões. O gabinete de imprensa do Ministério do Mar explicou ainda que o “layout do futuro terminal de contentores ainda não está feito” e que “apenas havia uma abordagem antiga”.

Mas o certo é que o receio não sai da cabeça de quem ali trabalha na pesca. A maioria das embarcações é de Vila do Conde e Póvoa de Varzim, o que leva entidades locais, como as duas organizações de armadores existentes, a Associação Pró-Maior Segurança dos Homens do Mar, liderada por José Festas, ou a Câmara da Póvoa, a defender um forte investimento do Estado na infraestrutura portuária poveira, que a torne na alternativa que hoje não é, para estes pescadores.   

Na sessão comemorativa dos 200 anos do nascimento do Cego do Maio, o autarca Aires Pereira, que iniciou esta sexta-feira um novo mandato, garantiu que lutará para colocar a questão das obras no Porto na agenda nacional. Tarefa que não se afigura fácil, tendo em conta que, neste momento, nem sequer tem sido garantida uma dragagem anual. José Festas, por seu turno, olha para a reacção do Estado após a tragédia nos incêndios florestais, e questiona-se se, mesmo sendo conhecidos os problemas estruturais da Póvoa, será necessário que aconteçam mais mortes para que alguma coisa seja feita ali ou em Vila do Conde: cujo porto de rio, ampliado, até seria, para muitos, uma melhor opção para o sector.

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