Superestruturas de soberania: os filhos pródigos da governação à esquerda

No final de um balanço de uma dúzia de anos, o triângulo socialista das superestruturas de soberania criou mais Estado e mais ineficácia.

Ainda com fogos activos e com um balanço cumulativo macabro superior a uma centena de vítimas mortais, prejuízos inimagináveis e uma floresta em cinzas, o primeiro-ministro António Costa veio, em directo nas televisões, afirmar que é “altura de reformular o nosso modelo”. Ao manter a sua ministra da Administração Interna até à intervenção do Presidente da República, o PM assumiu pessoal e politicamente a responsabilidade política pelo fracasso do sistema que fez aprovar em 2006 na qualidade de Ministro da Administração Interna.

A Lei de Bases da Protecção Civil, datada do primeiro Governo Sócrates em 2006, constitui uma das marcas da governação da esquerda: à falta vontade para reordenar no terreno florestas, corporações de bombeiros, caciques autárquicos ou reinventar um centro de coordenação ágil, opta-se pela criação de uma superestrutura.

Esta superestrutura ficou plasmada na Lei de Bases da Protecção Civil que criou a Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), cuja lei orgânica viria a ser aprovada um ano depois. A superestrutura ANPC foi assim dotada de vastos poderes de intervenção e goza ainda de uma generosa estrutura vertical (um presidente e três directores nacionais, apoiados por uma vasta estrutura departamental) e horizontal (comandos distritais de operações de socorro). Possui ainda a gestão das entidades públicas de formação de bombeiros (Escola Nacional de Bombeiros) e uma ampla autonomia administrativa e financeira que lhe permite contratualizar serviços externos e adquirir bens e equipamentos. O primeiro-ministro é o responsável pela direcção política da protecção civil, designadamente presidindo à Comissão Nacional de Protecção Civil, composta por uma imensidade de entidades que vão desde a própria ANPC até à comissões distritais de protecção civil passando pelos bombeiros, Forças Armadas e forças e serviços de segurança.

O princípio político subjacente é recorrente: quando os pontos críticos nos serviços no terreno são incómodos, cria-se uma superestrutura de nível superior para alegadamente coordenar, criando-se um patamar acrescido, distante do terreno, ineficiente e gastador e, em última instância, incompetente e negligente. A nova superestrutura acaba assim por absorver recursos aos serviços no terreno e duplicar funções já desempenhadas a nível inferior, introduzindo elementos de perturbação acrescidos.

Tem sido assim na protecção civil e é assim nos restantes dois vértices do triângulo das “superestruturas de soberania” criados e alimentados pelas opções de esquerda: a superestrutura da protecção civil, tão tristemente escrutinada nos últimos meses; a superestrutura do sistema de segurança interna (SSI); e, last but not least, a superestrutura do sistema de informações da República (SIRP).

O SSI visava reorganizar a segurança interna, reforçando as funções de comando e simplificando o sistema – em última instância unificando alguns serviços de segurança. O estudo encomendado pelo então MAI Severiano Teixeira teve outros resultados: tudo igual e, para se resolver o problema da tutela diversa da Polícia Judiciária e dos Serviços de Informações criou-se… uma superestrutura. A este patamar superior deu-se o nome de Sistema de Segurança Interna, composto, claro, por um Conselho superior de segurança interna, um Gabinete Coordenador de Segurança e por um Secretário-Geral do sistema de segurança interna, equiparado a Secretário de Estado e dependente, em teoria, do primeiro-ministro. Esta estrutura nasce assim de um recurso em jeito de improviso.

A absorção de funções tem sido gradual assim como o tem sido a burocratização de um órgão, de novo, distante do terreno e das forças e serviços de segurança que deveria agilizar. A eficácia, ao contrário, mantém-se reduzida por muito que o afã da autojustificação existencial prossiga ano após ano em constantes guerrilhas de competências. Criada por lei em 2008, a Lei de Segurança Interna foi preparada pelo primeiro MAI do primeiro Governo Sócrates: António Costa, o pai da lei de bases da protecção civil. Veio a ser aprovado no tempo do ministro Rui Pereira, cuja influência na terceira superestrutura é hoje bem conhecida.

A terceira superestrutura chama-se Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) que, verdadeiramente, se materializou em terceiro serviço de informações com a criação do cargo de Secretário-Geral do SIRP em 2004, 20 anos após a aprovação da lei-quadro do sistema, então simplificado e operacionalizado. Esta superestrutura, acordada em 2004 entre PSD (então no Governo) e PS, pretendia “disfarçar” um problema subsistente no sistema: a falta de coordenação entre o Serviço de Informações de Segurança (SIS) e o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED). Solução? A criação de uma superestrutura que, sob a direcção de um secretário-geral, igualmente equiparado a secretário de Estado – o muito resistente Júlio Carneiro Pereira (12 anos em funções…) - foi crescendo às custa dos órgãos operacionais do sistema (SIS e SIED), que dele passaram a depender, absorvendo recursos e competências, distante dos utilizadores mas nem por isso próximo dos chefes do governo que raramente tiveram vontade para entender o que verdadeiramente estava em jogo. Diga-se que aqui a paternidade não foi apenas socialista mas a criança cresceu verdadeiramente com as hormonas dos governos PS.

A componente de segurança do SIRP colocou a tutela política indirecta sob a co-alçada do gabinete de Sócrates e dos respectivos Ministros da Administração Interna: António Costa e Rui Pereira. Os resultados estão à vista através dos desvios de funções de muitos dos seus responsáveis, que resultaram no continuado descrédito dos serviços. O Conselho superior de Informações tem um papel irrelevante e sobre os órgãos de fiscalização do SIRP, designadamente o dependente da Assembleia da República, a sua ineficácia tem sido gritante como já aqui foi escrito.

No final de um balanço de uma dúzia de anos, o triângulo socialista das superestruturas de soberania criou mais Estado e mais ineficácia. Ao invés de aproximar as estruturas de segurança e de protecção civil dos utilizadores, distanciou-os. Em vez de introduzir operacionalidade, introduziu burocracia. Em vez de agilidade e parcimónia, criou estruturas pesadas, caras e lentas e raramente transparentes e fiscalizadas. Politizou sistemas técnicos e paralisou-os. Hoje os monstros estão vivos. Talvez o criador os destrua com maior eficácia. Ou talvez, qual criatura de Frankenstein, seja o monstro a destruir o criador…

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