Cuidar do interior é agora ou nunca

Esta será a derradeira oportunidade de olhar para o interior do país, abandonado e envelhecido, sob pena de assistirmos à desertificação definitiva de uma parte substancial do território.

Marcelo Rebelo de Sousa preencheu o vazio deixado por um governo bloqueado e sem saber o que fazer com a sucessão de violentos incêndios de consequências trágicas num tão curto período de tempo. E ainda bem que o fez. Onde o Governo pareceu distante, Marcelo, como sempre, esteve afectuosamente próximo. O itinerário do Presidente pelos concelhos mais atingidos transmite a imagem dantesca da destruição do interior das regiões norte e centro e o sofrimento e desalento de uma população que tinha e tem todas as razões para se sentir abandonada por um Estado que bateu em retirada com o argumento centralista da austeridade. Raul Almeida, presidente da Câmara de Mira, dizia ontem o que qualquer cidadão atingido poderia dizer: “[Fomos] literalmente abandonados pelos poderes públicos centrais.” E é aqui que Marcelo entra. Em quatro meses, bruscamente, substituímos a compreensiva solidariedade pela inevitável indignação.

O Conselho de Ministros deste sábado vai avançar com alterações profundas na organização da Protecção Civil ou na formação de bombeiros, com o devido impacto a médio e longo prazo na prevenção e no combate aos incêndios, medidas que o novo ministro da Administração Interna vai herdar da sua sucessora. É o que se impõe por ora. No passo seguinte, veremos o que os partidos estarão dispostos a fazer em sede de Orçamento do Estado para o próximo ano. Certamente que todos concordarão que há um antes e um depois dos dois acontecimentos e que o Orçamento deverá, a reboque das exigências de Marcelo, fazer da floresta uma prioridade que impeça trágicas repetições.

Mas há algo mais a fazer. Depois disto, não é possível continuar a olhar o interior do país com a mesma distância e leviandade. Depois disto, que razões efectivas existem hoje para alguém viver, trabalhar ou investir em zonas não urbanas e excluídas de qualquer prioridade política nacional? É absolutamente necessário que o Estado seja capaz de elaborar uma estratégia de emergência que valorize o interior, que pode ser uma espécie de Plano Marshall, como lhe chamou Rui Tavares, ou outra coisa qualquer; que seja eficiente e mais ambiciosa do que uma unidade de missão para a valorização do interior. Esta será a derradeira oportunidade de olhar para o interior do país, abandonado e envelhecido, sob pena de assistirmos à desertificação definitiva de uma parte substancial do território.

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