Um político hábil? É preciso muito mais

A moção de censura do CDS tem motivos que vão bem para além da conjuntura política.

Na passada terça-feira, o CDS, pela voz da sua presidente, avançou com a apresentação de uma moção de censura ao Governo. A moção de censura é o mais grave instrumento parlamentar que um grupo parlamentar pode utilizar na função de controlo político do Governo. Caso seja votada favoravelmente pelos deputados em efetividade de funções, tem como consequência a demissão do Governo, o que, aliás, na nossa história democrática apenas sucedeu uma vez.

Assim, a apresentação de uma moção de censura, numa situação de maioria absoluta, tem cada vez mais um sentido político de crítica política qualificada para situações especialmente graves. É o que acontece nesta situação, pois tem motivos que vão bem para além da conjuntura política. É também uma forma de combater o oportunismo político daqueles que agora aparecem a escrever atacando o passado e tentam passar uma esponja sobre um presente de total colapso da proteção civil. São precisamente esses que devem ser responsabilizados. A reforma das florestas é importante de mais para ser tratada como uma cortina que tenta esconder uma incompetência grave.

A grave situação que foi vivida em grande parte do território nacional, relativamente aos incêndios, é uma demonstração cabal de que estamos perante um Estado que falha devido à falta de um executivo que verdadeiramente o lidere. Se não, vejamos. Em primeiro lugar, o Governo começou por tratar a administração pública, em áreas de extrema sensibilidade, de acordo com critérios partidários. Em segundo, foi imprudente na preparação da época dos fogos. Depois, perante a tragédia, tentou desresponsabilizar-se e criar factos novos, fossem um trovão ou o funcionamento do SIRESP. Passou depois a uma fase de inação de mais de 120 dias em que mesmo em presença de avisos repetidos nada de relevante fez. Perante novo drama, apenas se preocupou em fazer política de manutenção do seu poder esquecendo as políticas públicas que se exigiam. Tamanho foi o despropósito das declarações e tomadas de posição que apenas se censurou a si próprio. Por fim, só foi capaz de uma ténue ação perante um verdadeiro ultimato do Presidente da República.

Por tudo isto, esta moção já teria sentido. Mas há mais. Não é aceitável que Portugal tenha um primeiro-ministro que — por muito que seja um político hábil na gestão de contradições — demonstra uma enorme incapacidade de dirigir o Estado. Governar um país é muito mais do que gerir horas boas. É estar à altura de resolver e reformar nas horas difíceis. Quanto a isso, infelizmente, a capacidade deste primeiro-ministro é verdadeiramente nula. Governar é bem mais do que defender um mero poder de momento.

Para além do mais, não se pode continuar a assistir, com a esquerda no poder e uma situação orçamental favorável, ao desaparecimento do nosso Estado, seja o soberano, seja o social. O que se passa nas nossas escolas e nos nossos hospitais ultrapassa todos os limites. Quem sofre com isso é uma maioria silenciosa que não tem sindicatos e deve ser representada. Que tem de ter voz. É por isso que se tem de denunciar as inúmeras proclamações cheias de ideologia quanto às escolas e hospitais, mas completamente vazias de conteúdo reformista e de intervenção na resolução dos problemas do dia-a-dia. Qualquer uma destas três razões só por si seria válida para censurar este primeiro-ministro e este Governo.

Alguns dirão: tudo isso está muito certo, mas esta moção apenas vai reforçar o Governo e a esquerda que lhe guarda as costas. Falso. A maioria vai ser formalmente reafirmada mas seguirá materialmente debilitada e totalmente incapaz de responder a novos desafios. Os equívocos de uma maioria sem uma linha ideológica e política coerente serão mantidos. Como é óbvio, uma “geringonça” nunca deixa de ser uma “geringonça”, pois está sempre presa a todas as suas contradições Pode manter uma lógica de gestão do poder, mas nunca será capaz de se assumir com uma posição estrutural sobre o caminho a trilhar. Por uma razão muito simples: é uma maioria dominada por cinismo e arranjos diários. Todo este cenário exige uma enorme responsabilidade para os partidos: a de apresentar, pela positiva, uma alternativa de projeto que reabilite o Estado e restabeleça a segurança na sua ação de proteção dos mais desfavorecidos. É ai, e não nas frias matérias orçamentais do défice e do nível da despesa pública, que se devem centrar os projetos políticos alternativos. Na afirmação de um Estado que tenha as suas funções bem definidas e fortalecidas e que para todos represente uma esperança, tão necessária, a estes erráticos dias do atual Governo.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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