Shinzo Abe semeou para colher uma nova maioria

Primeiro-ministro japonês aproveitou a divisão da oposição para antecipar as eleições, em plena “crise de segurança nacional” após testes balísticos da Coreia do Norte. Mas será a economia que deverá garantir a sua reeleição.

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O partido de Abe pode conseguir o seu melhor resultado desde 1986 Reuters/STAFF

A ameaça à segurança nacional representada pela Coreia do Norte foi a razão invocada pelo primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, para antecipar as legislativas e recompor o Parlamento. Embora as atenções estejam concentradas na crise regional, que dominou toda a campanha, os analistas acreditam que, como habitualmente, o desfecho das eleições será determinado pelas questões económicas: mais do que a resposta às provocações de Kim Jong-un na forma de testes balísticos, os japoneses vão avaliar os méritos da chamada Abenomics – a política lançado pelo líder do Governo para revitalizar a economia depois de uma recessão profunda.

Segundo as sondagens para as agências Kyodo, Nikkei e Asahi, o Partido Liberal Democrático de Abe poderá conquistar entre 280 e 300 dos 465 assentos da Dieta Nacional, a câmara baixa do Parlamento – o melhor resultado dos conservadores desde 1986 e um claro mandato para Abe prosseguir com a sua agenda monetária e fiscal. Ainda assim, o resultado pode não ser suficiente para o primeiro-ministro rescindir a coligação com o Komeito (centro-direita, pode obter cerca de 30 lugares) e governar sozinho com a supermaioria de dois terços indispensável para mudar a Constituição.

Como explicam analistas financeiros e comentadores políticos, os japoneses prezam a estabilidade acima de tudo, e nesse sentido o desfecho da votação deste domingo é mais do que previsível. Há, contudo, alguns imponderáveis, do possível aumento da abstenção para um patamar acima dos 50% (algo inédito) a uma reconfiguração das bancadas parlamentares assente em novas formações políticas.

A manutenção de Abe no cargo – depois de cinco anos no governo, tornar-se-á o líder há mais tempo no poder no Japão desde a Segunda Guerra Mundial – é o desfecho que mais agrada às elites, aos grandes decisores e aos mercados. Mas se os preceitos na cartilha da Abenomics continuam a convencer a maioria dos eleitores, outras propostas do primeiro-ministro são encaradas com desconfiança, em particular as suas propostas para a revisão da Constituição pacifista que impede o país de ter Forças Armadas, ou o seu plano para retomar em pleno a produção das centrais nucleares depois do trauma de Fukushima.

Uma aposta na estabilidade

Há um mês, a jogada do primeiro-ministro, que pela segunda vez consecutiva antecipou 14 meses a eleição para reforçar o seu mandato, parecia de mestre: a firmeza da sua resposta perante a intimidação de Pyongyang resgatou a popularidade e credibilidade que Abe tinha perdido após vários escândalos de corrupção no Governo (um dos quais, ligado a uma escola ultranacionalista, envolveu directamente o primeiro-ministro e a mulher), ao passo que a divisão, e desorientação da oposição anunciava o domínio do Partido Liberal Democrático.

“Abe assumiu um grande risco, mas o seu sentido de oportunidade foi perfeito. Jogou bem as suas cartas e ao que tudo indica vai recolher ases e trunfos”, notava à revista Time o director de Estudos Asiáticos da Universidade Temple de Tóquio, Jeff Kingston. “Os eleitores vão recompensar Abe não por gostarem dele, mas por ele oferecer uma garantia de continuidade. Ele não suscita nenhum entusiasmo, e muita gente está genuinamente preocupada com o seu nacionalismo, mas ninguém está interessado em trocar a estabilidade pela incerteza”, concorda Daniel Sneider, da Universidade de Stanford, em declarações ao Washington Post.

No mesmo dia em que Abe pediu a dissolução do Parlamento, a governadora de Tóquio, Yuriko Koike, uma estrela em ascensão no firmamento político japonês, oficializou o seu novo Partido da Esperança. Subitamente, a nova formação disparou nas sondagens, afirmando-se como a grande alternativa – “conservadora e reformista” – às políticas de Abe e alterando a dinâmica da corrida eleitoral.

No entanto, a campanha não correu bem à governadora conhecida como a “ninja com baton” – uma antiga correspondente internacional e pivô de televisão, e ex-ministra da Defesa de Abe –, que ficou de fora das listas para o Parlamento para poder cumprir até ao fim o seu mandato em Tóquio. O seu programa económico, que baptizou como Yurinomics, não vingou na comparação com o original de Abe, que resultou num crescimento consecutivo de seis trimestres (a estimativa é de 2,5% este ano), na mais baixa taxa de desemprego (3%) e na mais alta taxa de confiança de décadas.

Koike também perde na comparação com Abe na abordagem à ameaça norte-coreana. Tal como o primeiro-ministro, a governadora é defensora de uma revisão no estatuto do aparelho militar nacional (impedido de usar a força em conflitos internacionais, excepto para se defender), e segue a mesma linha dura contra Kim Jong-un. O problema é que Koike revelou algum desdém e intolerância para com a (grande) comunidade coreana que vive no Japão, e os seus discursos foram pontuados de referências xenófobas e nacionalistas que muitos eleitores consideram “incómodas”.

Na recta final da campanha, o novo movimento conservador de Koike foi perdendo força para outra organização estreante, o Partido Constitucional Democrático do Japão, criado há apenas três semanas pela ala mais liberal do histórico Partido Democrático e que, segundo as projecções, poderá acabar por se tornar a maior bancada de oposição. “Os Abenomics aumentaram a desigualdade, aprofundaram as nossas divisões e aumentaram a pobreza. Estamos a perder a nossa estabilidade social”, criticou o líder do novo partido progressista de esquerda, Yukio Edano.

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