É Pesca e é (tanto quanto possível) sustentável

Para Diogo Noronha, que acaba de abrir o seu novo restaurante no Príncipe Real, a chave do projecto é a relação de confiança com os produtores. “A sustentabilidade é um caminho”.

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Diogo Noronha Nuno Correia
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Sala do Pesca Nuno Correia
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Pargo Nuno Correia
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Atum rabilho Nuno Correia
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Diogo Noronha Nuno Correia
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Fachada do Pesca Nuno Correia

A base do Pesca, o novo restaurante que Diogo Noronha acaba de abrir no Príncipe Real, em Lisboa, é a relação com os produtores que fornecem a matéria-prima que o chef aqui trabalha. “Essa relação é fundamental. Não sei, e não quero, fazer as coisas de outra maneira”, diz.

O Pesca abriu há três semanas e tudo é ainda uma novidade. Quem conhecia o Origami, o japonês que funcionou neste local, dificilmente vai reconhecer o espaço, todo trabalhado com azulejos Viúva Lamego e madeiras antigas recuperadas.

Há uma janela aberta para a rua, daquelas onde nos podemos encostar a conversar como se fôssemos vizinhos do bairro — mas, sobretudo, onde podemos pedir umas ostras (vêm quatro, ao natural, com pérolas de mirin, molho de soja e coentros; com água de pepino, limão confi e salicórnia; com foie gras, beterraba e pimenta de sechuan) e um dos originais cocktails criados pelo barman Fernão Gonçalves. Se pedirmos algo pouco doce, é possível que ele sugira o zombie mexicano, com pimentos fumados e malagueta, mescal e tequila.

É logo aí que começa a conversa sobre a preocupação com a sustentabilidade. No Pesca, esta passa, entre outras coisas, pelo aproveitamento de desperdícios que noutro tempo iriam parar ao lixo. Fernão dá-nos a provar uma lâmina feita com a fibra que sobra do abacaxi e que é desidratada e usada num dos cocktails.

Quando, no final da refeição conversamos com Diogo Noronha (que antes passou pelo Pedro e o Lobo, Casa de Pasto e Rio Maravilha), o chef explica que a preocupação com a sustentabilidade vem da sua juventude e levou-o, logo aos 17 anos, a optar por uma alimentação vegan (que hoje já não pratica).

“Não posso dizer que somos 100% sustentáveis, seria hipócrita, o que temos é um compromisso diário para desperdiçar menos, fazer uma selecção mais atenta, encontrarmos parceiros que têm a mesma forma de ver as coisas”, sublinha.

Já vamos perceber melhor como é que isso se faz na prática, mas antes vamos despedir-nos de Fernão e do bar (que funciona de forma autónoma, estando sempre aberto para quem quiser comer umas ostras ou tomar um cocktail) e seguir pelo corredor, passando pela cozinha aberta (há, no piso de baixo, outra de preparação) até à sala e, por fim, ao pátio. O sol é filtrado pelas plantas verdes em redor e há um sistema eléctrico que permite abrir e fechar o tecto e as laterais, conforme esteja mais ou menos calor.

O peixe e os mariscos são, naturalmente, o centro da carta — que não tem nenhum prato de carne. “Em todas as cozinhas por onde passei, a secção de peixe sempre me deu grande prazer”, afirma Diogo. Por isso, quando, há um ano, conheceu Rui Sanches e Margarida, do grupo Multifood (que tem, entre muitos outros restaurantes, o Alma e o Tapisco, ambos com Henrique Sá Pessoa), foi rapidamente que chegaram a acordo sobre o tema para o restaurante que queriam fazer em conjunto: o peixe.

Ter um ano para preparar um projecto é, de certa forma, um luxo, mas não é garantia de que tudo vá correr exactamente como se planeou. Diogo conta que o trabalho com os produtores, muitos dos quais já eram seus parceiros antes, começou com antecedência. Mas na agricultura há factores imprevisíveis. “Com a Joana, da Quinta do Poial, em Azeitão, passámos três ou quatro meses a planear, eu disse é exactamente isto que quero na carta, e de repente, a uma semana da abertura do restaurante, ela liga-me a dizer que três noites de muito frio tinham dado cabo de várias coisas.”

É preciso contar com estas situações, reconhece, mas este não é um restaurante em que os pratos mudam todos os dias. A carta foi pensada contando com os produtos de cada estação e os peixes na altura certa. E se nos acompanhamentos Diogo pode jogar com várias couves diferentes ou vários tipos de cogumelos, nos peixes o que procura é consistência e a garantia de que os tem sempre, das gambas da costa algarvia, que serve com terrina de beringela e azeitona verde, maionese de anchovas, amêndoas, alcaparra em fruto e arroz tufado, à ostra panada com escabeche, migas de morcela da Guarda e laranja confitada.

Ou, nos pratos principais, do pargo legítimo braseado, com puré de tupinambor, espinafres selvagens e sésamo e emulsão de alho negro, ao pregado na brasa com cogumelos silvestres, batata nova, geleia de sementes de mostarda, patissons (pequenas abóboras) e óleo de argan, passando pelo salmonete braseado com migas de pão, puré de alcachofra, favas, tomatada e ovo a baixa temperatura ou pela corvina a baixa temperatura com feijão frade, presunto ibérico, cenouras, acelgas, iogurte grego e groselhas em pó.

“O peixe nacional é muito difícil, às vezes há lotas com muito pouco”, explica. “Quando não se consegue no continente, trabalhamos com os Açores, onde há agora uma empresa com uma abordagem interessante, em que os pescadores fazem ikejime [técnica japonesa para matar o peixe que assegura melhor qualidade] com algumas espécies.”

Outra preocupação são os vinhos, em cuja escolha Diogo se envolveu pessoalmente. “Não queria cansar a refeição e queria tentar encontrar um equilíbrio entre tintos e brancos.” Numa selecção que inclui vinhos portugueses e estrangeiros (alguns deles a copo, para que os clientes os possam conhecer), de preferência de pequenos produtores com projectos diferentes, alguns biológicos e naturais, o chef quer mostrar que há tintos com um perfil que funciona muito bem com certos peixes e técnicas de confecção.

O Pesca tenta também ser sustentável noutras coisas não necessariamente visíveis — por exemplo, a equipa tem um horário de 40 horas semanais e duas folgas por semana, o que na restauração está longe de ser um dado garantido.

O pão é biológico e feito na casa pelo pasteleiro, Claiton Ferreira, que trabalha também sobremesas (tem um interesse particular pelo cacau) reduzindo a quantidade de açúcar (“O açúcar refinado não faz muito sentido na pastelaria”, diz Diogo, “é muito forte, enjoativo, pouco saudável e esconde outros ingredientes”). E o objectivo é, no pão, trabalhar cada vez mais com farinhas locais. Mas, sublinha Diogo, tudo demora o seu tempo e tem os seus custos (os preços dos pratos principais situam-se entre os 25 e os 49 euros). O que é importante perceber é que “a sustentabilidade é um caminho.”

 

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