A selecção do Níger nasceu num dia abençoado

Cinco jogadores nasceram no mesmo dia, mês e ano, que por acaso também é a data limite para poderem disputar o Mundial sub-17.

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Fica tudo facilitado na hora de combinar festas de aniversário DR

A mais brilhante geração de futebolistas do Níger começou a ser concebida em Abril de 1999. Por esses dias o país vivia um golpe de Estado, no qual seria assassinado o presidente Ibrahim Baré Mainassara, que tinha tomado o poder num golpe militar três anos antes. Os eventos de Abril de 1999 abriram caminho à realização, em Novembro desse mesmo ano, de eleições legislativas e presidenciais consideradas pelos observadores internacionais como “livres e justas”, segundo um relatório da Freedom House. Mas não só: esses acontecimentos também abriram caminho para a primeira presença de sempre do Níger num Campeonato do Mundo.

Foi no escalão sub-17, no Mundial que decorre na Índia, e a selecção africana superou a fase de grupos como um dos melhores terceiros classificados, tendo caído nos oitavos-de-final perante o Gana. Mas o que é que o golpe de Estado de Abril de 1999 tem a ver com o Mundial sub-17 na Índia? Vários dos jogadores nigerinos nasceram nove meses depois dos dias de euforia que se seguiram à libertação do regime de Ibrahim Baré Mainassara. Ou então tudo não passa de uma coincidência. Ou, pior, houve manipulação de datas de nascimento.

O regulamento do Mundial sub-17 estabelece com clareza os critérios de selecção. Todos os jogadores devem ter um máximo de 17 anos de idade (e um mínimo de 15) no final do ano civil em que a competição se disputa – ou seja, todos os futebolistas terão nascido entre os dias 1 de Janeiro de 2000 e 31 de Dezembro de 2002. Cada uma das 24 selecções finalistas levou à Índia 21 jogadores, e neste total de 504 há dez futebolistas nascidos no dia 1 de Janeiro de 2000, o limite máximo para poderem competir. Costa Rica, Alemanha, Iraque, Coreia do Norte e Turquia têm um cada, e os outros cinco são do Níger (que tem ainda dois jogadores com data de nascimento a 1 de Janeiro de 2001).

Ismael Issaka, Habibou Sofiane, Yacouba Aboubacar, Rachid Soumana e Ibrahim Boubacar são, pelo menos no papel, os “filhos” do golpe de Estado no Níger em Abril de 1999. Se tivessem nascido um dia antes não podiam disputar o Mundial sub-17. Como o Brasil foi adversário da selecção nigerina na fase de grupos, a coincidência despertou atenção e o portal Globoesporte.com falou com o treinador Luís Verdini, cuja carreira passou por países muçulmanos, como é o caso do Níger. “Os muçulmanos não celebram a data de aniversário e por isso não registam o nascimento. Declaram a idade quando tiram o passaporte. Eu trabalhei com atletas adultos com essas características e eles não sabiam as suas datas de nascimento”, afirmou.

Não seria a primeira vez que eram detectados casos de manipulação de datas de nascimento em torneios internacionais. A FIFA aplicou uma suspensão de dois anos à Nigéria após ter descoberto que três dos jogadores que representaram a selecção nigeriana nos Jogos Olímpicos de 1988, em Seul, tinham declarado datas de nascimento diferentes daquelas utilizadas em torneios anteriores. Em 2003 o ministro queniano do desporto extinguiu a selecção sub-17 após vários futebolistas admitirem que tinham falsificado a idade. E em 2013 as selecções do Congo, Costa do Marfim e Nigéria tiveram jogadores excluídos na CAN sub-17 – nesse mesmo ano, os nigerianos voltaram a passar por situação idêntica no Mundial sub-17.

“Ainda que seja responsabilidade de cada federação garantir que os jogadores cumprem os requisitos etários, a FIFA decidiu implementar exames de ressonância magnética aos ossos do pulso nos torneios sub-17. A investigação na base desta decisão começou em 2003, quando, em resposta a numerosos pedidos, a FIFA iniciou pesquisas sobre a utilização de marcadores biológicos na determinação da idade”, explicou ao PÚBLICO, por e-mail, um porta-voz do organismo que tutela o futebol mundial. “Quatro jogadores por selecção, incluindo obviamente quatro futebolistas do Níger, foram testados neste Mundial sub-17. Com base nos resultados dos exames, não há indícios que apontem para a presença de jogadores que violem os requisitos etários”, acrescentou a mesma fonte.

A ressonância magnética aos ossos do pulso detecta o grau de desenvolvimento da estrutura óssea e permite determinar, “com um grau de certeza superior a 99%” – segundo um documento de 2009 da FIFA – se um futebolista tem mais ou menos de 17 anos. “Estes testes ainda não são obrigatórios para as federações, mas as vantagens que há em realizá-los são evidentes”, sublinhou o porta-voz da FIFA contactado pelo PÚBLICO.

Pode ter sido tudo uma enorme coincidência. O Níger estreou-se no Mundial sub-17 com um triunfo sobre a Coreia do Norte e, apesar de perder os jogos com Espanha e Brasil, passou aos oitavos-de-final. Cairia perante o Gana, mas o treinador Ismaila Tiemoko estava optimista: “Eles são o futuro do futebol nigerino. Vamos ser os anfitriões da CAN sub-20 em 2019 e esta equipa será a coluna dorsal dessa selecção.”

As coincidências acontecem. A selecção portuguesa que venceu o Euro 2016 tinha três jogadores nascidos a 22 de Dezembro: Raphaël Guerreiro (1993), Éder (1987) e José Fonte (1983). E dois dos melhores futebolistas da actualidade também partilham o dia de aniversário – Cristiano Ronaldo (5 de Fevereiro de 1985) e Neymar (5 de Fevereiro de 1992). Mas cinco jogadores de uma selecção de 21 terem nascido no mesmo dia, mês e ano? Só no Níger.

* Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos. Ouça também o podcast

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