Estado português revela "tremenda incompetência" em fogos florestais

Portugal tem que ter “organismos públicos profissionais destinados a atacar fogos florestais”, diz especialista.

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Nelson Garrido

O Estado português revelou “tremenda incompetência” na prevenção e combate de incêndios, disse hoje à Lusa o especialista na área de valorização energética de resíduos Clemente Vicente Nunes, advogando que o fogo florestal é “um ato de terrorismo”.

Para o professor catedrático do Instituto Superior Técnico (IST) da Universidade de Lisboa, os trágicos incêndios de 17 de Junho em Pedrógão Grande e do passado domingo nas regiões Norte e Centro do país resultaram de “um conjunto de factores, incluindo uma tremenda incompetência” do Estado.

“É evidente que o combate aos fogos florestais tem que ser feito por pessoas competentes”, afirmou o docente Clemente Vicente Nunes, indicando que, “depois do que aconteceu este ano”, Portugal tem que ter “organismos públicos profissionais destinados a atacar fogos florestais” à semelhança do que acontece em Espanha.

Em entrevista à agência Lusa, num laboratório do departamento de engenharia química do IST, o especialista realçou o processo químico que se verifica quando há uma combustão para reforçar a importância de existir “um corpo nacional de bombeiros profissionais em âmbito florestal”, defendendo que devia ser composto por militares das Forças Armadas.

Na perspectiva do docente do IST, o que aconteceu este ano em termos de incêndios florestais tratou-se de “um crime inqualificável”, em que há a lamentar mais de uma centena de mortos, o que “nunca aconteceu em Portugal”.

“Muito céptico” em relação à actual reforma da floresta, Clemente Vicente Nunes considerou que o principal erro “é que fala em floresta”, advogando que tal “é um disparate completo” já que a reforma “não pode estar limitada à floresta”.

“A urgência não é tanto a floresta, é todas as actividades agroflorestais, que inclui com certeza a floresta, mas inclui a pastorícia, inclui todas as questões das árvores de fruto, inclui o olival e inclui a actividade agrícola”, declarou o professor catedrático.

Neste sentido, a actual reforma deve consolidar “as actividades económicas que contribuam para a estabilização social e demográfica em 45 mil quilómetros do território do país”, avançou o docente, referindo-se ao mundo rural do Interior Norte e Centro do país.

Relativamente às acções de arborização e rearborização, o especialista em valorização energética de resíduos indicou que “o eucalipto tem sido estigmatizado, mas o eucalipto é o que evita que o mato à volta se dê”.

“Das estatísticas que vejo, as maiores explorações de eucalipto industriais em Portugal, nomeadamente as que são geridas pelas celuloses, praticamente a incidência de fogos tem sido mínima, inferior a 1%”, apontou Clemente Vicente Nunes.

Para o professor do departamento de engenharia química do IST, “concentrar, como foi feito politicamente, o problema no eucalipto é um disparte completo”, já que o Pinhal de Leiria não tem eucaliptos, tem pinheiros, e ardeu 80% da área florestal.

“Estou muito receoso. Se a reforma da floresta é a nova forma de terrorismo burocrático para que os empresários agroflorestais do minifúndio fiquem com a sua vida ainda mais prejudicada, então é um tiro no pé, mas um tiro de canhão”, alertou o docente.

As centenas de incêndios que deflagraram no domingo, o pior dia de fogos do ano segundo as autoridades, provocaram 43 mortos e cerca de 70 feridos, mais de uma dezena dos quais graves.

Os fogos obrigaram a evacuar localidades, a realojar as populações e a cortar o trânsito em dezenas de estradas, sobretudo nas regiões Norte e Centro.

O Governo decretou três dias de luto nacional, entre terça-feira e quinta-feira.

Esta é a segunda situação mais grave de incêndios com mortos este ano, depois de Pedrógão Grande, em Junho, em que um fogo alastrou a outros municípios e provocou, segundo a contabilização oficial, 64 mortos e mais de 250 feridos. Registou-se ainda a morte de uma mulher que foi atropelada quando fugia deste fogo.

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