“Não queremos menos austeridade, queremos o fim da austeridade”

O centro-esquerda precisa de renovar a sua mensagem política, diz o líder dos socialistas e democratas no Parlamento Europeu, Gianni Pitella. A austeridade aumentou as desigualdades e abriu uma crise das democracias.

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o centro-esquerda europeu tem de redefinir a sua mensagem e ter a capacidade “de abrir-se às forças católicas, progressistas e ambientalistas", diz Pitella Christian Hartmann/REUTERS

Gianni Pitella é o líder do segundo maior grupo político do Parlamento Europeu: os socialistas e democratas. Representa o Partido Democrata italiano, que obteve uma vitória esmagadora nas eleições europeias de 2014. Não tem grande paciência para nuances e acredita firmemente que o centro-esquerda tem mesmo de ser de esquerda. Em paralelo com o Conselho Europeu de quinta e sexta-feira, foi uma das figuras em destaque numa conferência sobre o futuro da social-democracia europeia (“Construir Juntos um Futuro Progressista”).

Recebeu Jeremy Corbyn, o líder do Labour, que foi um dos oradores da conferência e aproveitou para participar na habitual reunião dos socialistas, que precede as cimeiras. Virar à esquerda? Como Jeremy Corbyn no Reino Unido, Benoît Hamon em França, Pedro Sanchez na Espanha ou, mesmo, Martin Schulz na Alemanha, depois da derrota? “Não é uma questão de geometria, é uma questão de substância política”, responde Pittella.

“Por exemplo, a experiência de António Costa no seu país demonstra que queremos ser uma esquerda clara e rigorosa também como força de governo”, diz.

O que Pitella pensa é que o centro-esquerda europeu tem de redefinir a sua mensagem e ter a capacidade “de abrir-se às forças católicas, progressistas e ambientalistas.” Acrescenta: “Enquanto a direita está a derivar para ideias mais extremistas”. Durante a conferência, foi mais concreto: “Precisamos de uma aliança progressiva para conter a ascensão de forças extremistas e populistas”.

O líder dos socialistas e democratas no PE já referiu várias vezes que o Presidente francês Emmanuel Macron não é a resposta do centro-esquerda, mas também não nega que aprova as suas ideias sobre a Europa. “Macron é um liberal. Aprecio as suas posições sobre a Europa, mas não as suas posições sobre as questões sociais em França”.

O Presidente francês defende uma Europa aberta ao mundo. Pittella fala de “universalismo” para equilibrar a pulsão identitária que se manifesta hoje um pouco por todo o lado. “Não há contradição entre uma Europa que respeita e promove as suas várias identidades e as suas culturas diversas e uma Europa que seja capaz de projectar a sua força na cena internacional”. Sublinha a oportunidade criada pelo Presidente americano: “Devemos aproveitar o isolamento para o qual Donald Trump está a levar os Estados Unidos para afirmar a Europa como uma potência mundial”.

É preciso pôr alguma ordem na forma como a globalização funciona? As classes médias foram a sua maior vítima? “Absolutamente”, diz Pittella. “Pagámos um preço muito alto por não termos dado uma resposta ao nível dos governos, protegendo os que perderam os seus empregos por efeito da crise industrial, que teve na Europa efeitos muito negativos.”

É possível? Sim. “Travando a especulação financeira, que destrói empregos, ou os grandes grupos tecnológicos são os campeões da evasão fiscal”. Isso é hoje mais visível, porque “a crise económica e financeira atingiu duramente as relações sociais, o que se traduz hoje na incapacidade dos Estados europeus para levar por diante as suas políticas sociais”.

A crise pôs em evidência as divisões entre o Norte e o Sul, que também atravessam o centro-esquerda. Pittella tem a resposta pronta. “A política de austeridade cega e de rigorismo à la Schäuble faliu, deixando consequências sociais e políticas profundas. “Aumentou as desigualdades, destruindo emprego e abrindo as portas a uma crise das democracias”. Não deixa qualquer dúvida. “Nós não queremos menos austeridade. Queremos o fim da austeridade. Temos necessidade de investimento público para ajudar a criar postos de trabalho num quadro de sustentabilidade social e ambiental.” 

Também não tem dúvidas sobre as grandes prioridades da agenda europeia, sendo uma delas a conclusão das reformas da zona euro. Aqui, Pittella segue Macron. “Precisamos de um ministro do Tesouro para a zona euro, mas que faça parte da Comissão”, de forma a ser independente e responsável perante o Parlamento Europeu. Esse ministro deve ter “uma capacidade orçamental para sustentar o investimento público e avançar para a harmonização das políticas fiscais”.

Sobre a outra prioridade, a segurança e defesa, não tem dúvidas. É urgente. Deixou uma questão concreta: “Temos de encontrar resposta para a questão essencial: qual é o valor acrescentado de ser europeu”. 

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