Babis, o “populista universal”, pode ser o próximo chefe de Governo checo

República Checa vai sexta-feira e sábado a votos. O favorito é um multimilionário transformado em político, acusado por fraude.

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Babis tem sido considerado "o Trump checo" DAVID W CERNY/Reuters

Para os seus apoiantes, Andrej Babis é um líder de um movimento que representa o cidadão comum, que está fora do “sistema” político tradicional e que vai lutar contra a corrupção. Isto, apesar de Babis ser o segundo homem mais rico da República Checa, dono de um império de empresas de várias áreas, da agropecuária aos media, ter sido até Maio ministro das Finanças, cargo que teve de deixar quando foi, ele próprio, acusado de evasão fiscal e outras irregularidades.

Nas eleições que decorrem nesta sexta-feira e sábado (hoje e amanhã) na República Checa, antecipa-se que Andrej Babis seja o candidato mais votado – e, assim, possa vir a ser primeiro-ministro. Mesmo depois de há duas semanas ter sido formalmente acusado num caso de fraude, a sua popularidade nas sondagens não baixou.

Esta acusação de fraude diz respeito a uma suspeita de abuso de subsídios europeus para uma empresa de agro-pecuária. Uma empresa-mãe de Babis vendeu uma pequena quinta em 2007, permitindo-lhe ganhar dois milhões de verbas europeias destinadas a pequenas empresas, e foi anos depois comprada de novo pela antiga casa-mãe. A acusação é irónica também porque Babis tem feito campanha contra “as ordens” de Bruxelas, sobretudo contra as pressões para que o país aceite refugiados.

Andrej Babis, 63 anos, chegou à política relativamente tarde, quando fundou, em 2011, um partido chamado ANO (quer dizer “sim” e é a sigla para Acção de Cidadãos Descontentes). Nas eleições de 2013, surpreendeu todos com um segundo lugar na votação, o que lhe permitiu chegar ao Governo, coligando-se com os sociais-democratas (centro-esquerda) e os democratas-cristãos (centro).

O multimilionário é muitas vezes comparado com Donald Trump. Babis sublinha apenas uma diferença, como disse ao Washington Post: “Eu nunca declarei falência.”

“As pessoas aqui podem não gostar de Trump”, disse o analista político checo Jiri Pehe ao Post, “mas gostam das políticas trumpistas como apresentadas por Babis”, sobretudo em relação à imigração.

Também é comparado a Berlusconi: detém um poderoso grupo de media (dois jornais, rádio, televisão); para esta campanha criou o seu próprio site de factchecking – com um nome parecido com um que já existe (Demagog; o de Babis chama-se “o meu demagog”) – mas é basicamente uma defesa do político das alegações dos adversários, sem fontes. “Não podia ficar a ouvir as mentiras”, diz no site. “Vamos dizer as coisas como elas são.” 

Passado comunista

Babis nasceu no que é hoje a Eslováquia, filho de um diplomata. Passou parte da juventude na Suíça e da vida adulta em Marrocos. A sua biografia tem vários episódios menos claros, começando pelas alegações de que terá colaborado com a polícia política durante o regime comunista (o que nega), que terá feito fortuna de modo duvidoso após o fim do comunismo (o que nega), até às acusações recentes de irregularidades (o que nega, dizendo que é uma perseguição do “sistema” contra si).

O facto de ser formalmente acusado num processo não impedirá a sua nomeação pelo Presidente, Milos Zeman. O chefe de Estado já disse que indicará o mais votado para primeiro-ministro e, se este for Babis, será este o nomeado para primeiro-ministro, mesmo que até esteja na prisão, escreve o diário norte-americano The New York Times.

Mas o caso poderá complicar a formação de uma coligação. “Muitos responsáveis dos outros partidos disseram que não entrarão num governo liderado pessoalmente por Babis. Se o partido obtiver menos de 25%, poderá encorajar os outros a tentar formar um governo sem ele”, disse Pehe, desta vez ao jornal Politico.

Além do resultado de Babis, há outros dois factores a ter em conta: o resultado dos sociais-democratas e da extrema-direita do empresário nascido em Tóquio Tomio Okamura. Os primeiros têm um candidato pró-europeu, representando uma das tendências de um partido dividido – se tiverem um mau resultado, a vertente antieuropeia sairá fortalecida – e o segundo assenta a campanha numa posição “virulenta”, como diz o Politico, em relação à União Europeia e aos muçulmanos.

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Cartaz de Tomio Okamura, líder do partido de extrema-direita Liberdade e Democracia Directa

Como na Hungria?

“O perigo é que a República Checa resvale para a periferia europeia, juntamente com a Hungria e a Polónia”, sublinhou Jiri Pehe ao Washington Post.

A República Checa tem, no entanto, várias diferenças em relação aos vizinhos. Tem a menor taxa de desemprego da União Europeia (2,9%, seguindo-se a Alemanha com 3,6% e Malta com 4,2%, segundo os dados de Agosto do Eurostat), e é ainda, aponta a Reuters, o país mais ateu da União Europeia, pelo que uma agenda conservadora como na Polónia é também improvável.

Mas, por outro lado, os salários são baixos, a corrupção na política é frequente, e Babis, que promete gerir o Estado de modo mais eficaz, já sugeriu abolir o Senado e diminuir o número de membros do Parlamento – o que fortaleceria o Governo.

Apesar do seu actual antieuropeísmo cerrado, Babis já mudou várias vezes de opinião. Se em 2015 começou por dizer que os refugiados até podiam preencher os empregos em falta no país, agora é contra a entrada de qualquer imigrante (especialmente muçulmanos, mas, no fundo, qualquer imigrante). Inicialmente neutro em relação ao euro, agora defende que o país não deve adoptar a moeda única.

O slogan do seu partido é um vago “as coisas vão melhorar”. Pavel Safr, director do site de notícias Forum24, disse ao diário britânico The Guardian que o que torna Babis único é justamente a falta de orientação política. “Ele não é conservador, liberal ou comunista. É Babis, um populista universal. E é por isso que os europeus não o conseguem entender.”

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