E a política, senhores?

A crise que nos trouxe conceitos como austeridade e palavras mágicas ou malditas como resgate serviu como desculpa para muitos políticos abdicarem de fazer aquilo para que foram eleitos. Se tudo é “inevitável” e decidido por outros, eu deixo de ser responsável. Só que não é verdade. Ao longo de todos estes anos, os políticos continuaram a fazer escolhas, ou seja, política; deixaram foi de assumir a responsabilidade dessas opções.

Fazendo um zoom à situação de Espanha e da Catalunha, à droga da crise, que tudo justificava, juntou-se uma dose extra de inimputabilidade chamada independentismo. Nos últimos anos, Barcelona pediu insistentemente a Madrid para fazer política, um apelo que se tornou desesperado nas últimas semanas. O objectivo, nas palavras do correspondente do New York Times, Raphel Minder, seria “compromise”, termo diferente de compromisso, que implica ceder para chegar a um consenso e pode ser traduzido como “acordo mútuo”.

Mariano Rajoy & companhia defendem-se com a “legalidade”, como se esse fosse o único sinónimo de democracia. A Constituição é apresentada com o peso de um livro sagrado, como se a lei fosse intocável e existisse para que a servíssemos, e não devesse, pelo contrário, evoluir, adaptando-se às circunstâncias para melhor servir determinada população.

Isso é tudo verdade, e percebe-se que leve uma parte considerável dos catalães ao desespero. Em nome da lei, por exemplo, pode haver centenas de pessoas feridas à bastonada e a actuação da polícia ser descrita como “exemplar” pelo Governo e pelo rei por se exercer no cumprimento de um mandado judicial (a politização da Justiça em Espanha é um outro tema).

Só que aqui não há santos. Do outro lado, os políticos também usaram o independentismo para abdicar de fazer política e justificar medidas mais impopulares. Missão cumprida. De repente, já poucos se lembram como os Mossos d’Esquadra desfaziam à bastonada manifestações de Indignados (Movimento 15-M). De repente, deixou de haver manifestações que não se façam em nome do independentismo ou contra este.

Quem olha para os novos independentistas catalães com pena, considerando que foram manipulados por políticos com sede de poder, não está a ver a história toda. A força do independentismo veio, de facto, da rua e cresce em paralelo com o 15-M, consequência, como este, de um descrédito das instituições e de uma democracia que é cada vez mais percepcionada como indirecta, longínqua e insensível aos problemas das pessoas.

Grave é que quando o poder pegou no independentismo, pela mão do ex-líder da Generalitat, Artur Mas, tanto o fez para responder ao apelo da rua como para se desculpar de tudo o que era a sua política. Em Setembro de 2012, quando 1,5 milhões marcharam em Barcelona a pedir a independência, Artus Mas já tinha aplicado mais medidas de austeridade do que Rajoy em Madrid. De repente, ninguém mais deu por isso e Madrid passou a ter a culpa de tudo.

De repente, um partido como a antiga Convergência (actual Partido Europeu Democrata Catalão), de uma direita da austeridade, está no poder em coligação com a Esquerda Republica da Catalunha, uma união contranatura só tornada possível pelo objectivo comum de referendar a independência.

A verdade é que Rajoy ofereceu todas as desculpas com que Artur Mas ou Carles Puigdemont poderiam ter sonhado para tornar a independência no tema único do debate catalão. Recusando-se a discutir uma questão que sabe só ter uma resolução política. Entretanto, usa-se a lei e a Constituição para fingir que se soluciona pela força algo que só uma negociação um dia poderá começar a resolver. Pode ser eleitoralismo, mas é estúpido e é perigoso.

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