Corte da dívida de 2016 para 2018 é o sexto mais forte da zona euro

Esforço da redução da dívida ainda em debate: entre o perigo de “estar a contar com poupanças conjunturais” e o risco de “abdicar da normalização do funcionamento do Estado”.

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No OE para 2018, o Governo aponta para que se chegue ao final do próximo ano com uma dívida pública que ascenda a 123,5% do PIB Miguel Manso

Portugal pode estar a atravessar, caso aquilo que está previsto no OE se concretize, um dos períodos de maior redução da sua dívida pública. Mas num cenário em que quase por toda a Europa se aproveita o regresso do crescimento para acentuar o ritmo de consolidação orçamental, o esforço que o país está a fazer fica em linha com o que é feito em vários outros países da zona euro. E o debate sobre se teria sido útil tentar ir mais longe no próximo ano no esforço de redução da dívida continua vivo.

No Orçamento do Estado para 2018, o Governo aponta para que se chegue ao final do próximo ano com uma dívida pública que ascenda a 123,5% do PIB. Este número surge depois de este ano, estima também o Executivo, se conseguir baixar este rácio dos 130,4% de 2016 para 126,2%.

São, no espaço de dois anos, menos 6,9 pontos percentuais do PIB de redução da dívida pública, isto é, quase 14 mil milhões de euros ao valor do PIB do próximo ano.

Para encontrar paralelos em Portugal para o plano de redução de dívida traçado pelo Governo é necessário recuar até à segunda metade dos anos 90. Nessa altura, com a economia a registar taxas de crescimento superiores a 4%, as taxas de juro a caírem perante a perspectiva de entrada no euro e as receitas de privatizações a ajudarem todos os anos, a redução da dívida fez-se a um ritmo semelhante.

Agora, embora o crescimento esteja de volta, a variação do PIB dificilmente sai da casa dos 2% e não há receitas de privatizações, o que faz com que a redução da dívida tenha de ser feito por via de um excedente orçamental primário bastante elevado, tornando mais impressionante as metas definidas para a dívida.

No entanto, quando se compara estas metas do Governo com aquilo que está a ser feito pelos outros países europeus, o resultado português deixa de se destacar tanto. Ao comparar os 18 esboços de orçamento para 2018 apresentados pelos Estados membros à Comissão Europeia durante esta semana (apenas a Grécia não estava obrigada a entregar o documento), é possível verificar que a descida da dívida  portuguesa de 6,9 pontos percentuais do PIB estimada para o período entre 2016 e 2018 é a sexta mais pronunciada. Com valores mais elevados do que Portugal ficam Chipre (com menos 15,4 pontos), Áustria, Eslovénia, Holanda e Malta. Apenas dois países, França e Luxemburgo, não apontam para uma redução da dívida durante este período.

Quando a análise é feita levando em linha de conta a dimensão da dívida, verifica-se que a redução prevista em Portugal para a dívida durante estes dois anos, de 5,3% do valor total da dívida, é, entre os 18 países analisados, apenas a 11ª mais acentuada. Isto é, o país fica na segunda metade da tabela.

Um dos factores que mais ajudam a explicar as diferenças entre os países é o crescimento económico que está a ser conseguido por cada um deles. Quanto mais a economia cresce, maior a probabilidade de esse país estar a apontar para uma redução mais forte da sua dívida. O crescimento esperado por Portugal está ligeiramente acima da média das projecções de crescimento para a zona euro.

Deve também ter-se em conta que, olhando para os outros países do sul da Europa que, durante a dívida da crise soberana, foram colocados sob pressão, o desempenho previsto é muito variado. Em Itália, que parte no final de 2016 com uma dívida apenas ligeiramente acima da portuguesa (132,6%), o Governo está apenas a apontar para uma redução da dívida de 2,6 pontos, para 130% do PIB.

Em Espanha, a redução prevista é ainda menor, de 2,2 pontos, mas a dívida encontra-se já abaixo de 100% do PIB. Já em Chipre, encontra-se a redução da dívida mais acentuada, de 107,8% do PIB em 2016 para 92,4% do PIB em 2018. No caso grego, embora não tenha sido apresentado um esboço, as projecções feitas no âmbito do programa da troika no país são também de uma redução acentuada da dívida.

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Poderia Portugal, no actual cenário, ir mais rápido do que aquilo que é previsto pelo Governo? E seria tal desejável?

João Loureiro, professor da Faculdade de Economia do Porto, está entre os economistas que defendem que o país “podia ir mais longe”, acrescentando que “e se calhar devia”. O argumento deste economista para defender este ponto de vista é o de que no orçamento apresentado pelo Governo “há uma assunção de despesas com base em poupanças que são meramente conjunturais”. Em particular, afirma, “o Governo está a contar para o ano com melhoria da factura com juros de cerca de 300 milhões de euros, que depois, a qualquer momento, pode deixar de ter”.

“O problema não está tanto naquilo que possa ser a reacção dos mercados, mas penso que o défice devia ser reduzido adicionalmente nesta dimensão dos juros, porque foi o problema que já tivemos no passado, quando a partir de 1995, houve uma redução muito grande dos juros e acabou por se aproveitar algo que poderia ser conjuntural para aumentar a despesa”, afirma.

Ricardo Paes Mamede, professor no ISCTE, não partilha da ideia de que o esforço de redução de dívida possa estar a ser demasiado lento. Embora defenda a importância de “haver uma trajectória de descida da dívida que sirva como sinal aos investidores internacionais de que não se está a caminhar para a insustentabilidade das finanças públicas”, considera que neste momento “até há duas camadas de exigência, uma do próprio governo e outra das regras europeias, que o OE cumpre e que fazem com que tenham sido definidos objectivos já bastante ambiciosos de consolidação orçamental”.

“Ir além disto apenas pode ser feito apenas se se abdicar de se tentar normalizar o funcionamento do Estado em Portugal”, avisa o economista, apontando para vários exemplos de áreas sob pressão: “a acumulação no Serviço Nacional de Saúde de uma dívida a fornecedores bastante elevada”, “o facto de o congelamento das progressões na carreira na função pública ser uma anomalia que persiste há mais de uma década numa gestão de recursos humanos que se deseja saudável” e “a manutenção do investimento público a níveis baixos históricos”.

Em relação ao alívio do IRS, afirma: “é um sinal na direcção certa que tem impactos extremamente reduzidos”. “É aí que querem cortar a dívida? É importante que as pessoas que querem diminuir a dívida mais rápido digam claramente onde é que entendem que se pode realizar mais cortes”.

Do lado do Governo, a explicação para o ritmo escolhido de redução da dívida está resumida na frase presente no relatório que defende que o OE promove "uma descida constante da dívida sem comprometer o crescimento e a coesão social". Numa entrevista que deu esta semana à agência Reuters, Mário Centeno, acrescentou ainda que “se conseguirmos cortar a dívida para baixo dos 120% do PIB no final da legislatura [em 2019], esse seria um excelente indicador”. “Essa trajectória sustentável é aquilo que Portugal deve almejar e implementar”, afirmou o ministro das Finanças.

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