O fim do mundo é tão complicado como parece

Antropocenas, conferência-performance de Rita Natálio e João dos Santos Martins, apresenta-se esta sexta-feira em Guimarães, seguindo depois para Lisboa.

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JOSÉ CARLOS DUARTE
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“A natureza verde é branca”, lança Rita Natálio. “É o mundo da extracção bruta”, diz Ana Pi, acrescentando: “O capitalismo racial é o equivalente a uma vasta necrópole.”

Em Antropocenas, conferência-performance concebida pela artista e investigadora Rita Natálio e pelo coreógrafo e bailarino João dos Santos Martins, lembramo-nos dos recentes furacões do outro lado do mundo e do Outono com 30 graus e incêndios destruidores à porta de casa. Mas vemos também partes dessa história muito longa, muito colonial, muito típica da supremacia branca – como Donald Trump a secundarizar a crise humanitária de Porto Rico provocada pelo furacão Maria –, que abriu caminho para a actual época geológica, dominada pelo impacto das actividades humanas sobre o planeta.

Ou seja, para o actual desastre ambiental (e político, e social, e etc.), “ao qual algumas selectas pessoas chamam de Antropoceno”, mas que “para a grande maioria está sendo chamado de caos social”, resume o activista indígena brasileiro Ailton Krenak na publicação que acompanha este espectáculo, estreado em Setembro no Festival Materiais Diversos e com passagem, esta sexta-feira, pela Black Box da Plataforma das Artes e da Criatividade em Guimarães, integrado na programação do Centro Cultural Vila Flor – na próxima semana, de 27 a 29, apresenta-se em Lisboa, no São Luiz.

“Este trabalho surge do debate sobre o Antropoceno e a forma como esse debate tem migrado do campo das ciências naturais e dos painéis de discussão política internacional para as ciências sociais”, enquadra Rita Natálio. O projecto é sustentado por uma investigação coadjuvada por consultores – como Suely Rolnik ou o supracitado Ailton Krenak – e materializado numa conferência dançada com a participação de nomes das áreas da dança, da antropologia, das artes visuais, da música e da ecologia. “É um assunto muito abrangente, nunca poderíamos ser só nós a fazer isto”, afirma Rita. E também porque falar sobre as alterações climáticas é falar “necessariamente sobre questões políticas”, da exploração mineira patrocinada pelo capitalismo ao colonialismo e respectivos efeitos cumulativos do racismo estrutural.

Nesse sentido, procurou-se “criar vários lugares de fala”, num trabalho que não fosse feito “apenas por pessoas brancas a veicular ideias brancas”. Cada artista trabalha o tema à sua maneira, mesmo na coreografia: João dos Santos Martins, Ana Pi e Ana Rita Teodoro activam linguagens e discursos que se diferenciam entre si. “O que se passa em palco poderiam ser cenas independentes, quase um espectáculo com dez espectáculos em simultâneo. Há uma pluralidade de discursos em interacção, oposição ou contradição”, nota João. Muitas dessas ideias remetem para as “cosmologias ameríndias” e para os incontornáveis estudos antropológicos do Brasil, onde Rita Natálio vive há cinco anos e onde decorre há muitos mais um “genocídio-ecocídio” apadrinhado pelo Estado contra as populações e os territórios indígenas – como escreve Renato Sztutman, outros dos consultores do projecto, citando Déborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro, os povos indígenas são “especialistas em fim de mundo”. Ou como diz Jota Mombaça, performer-conferencista de Antropocenas, nascida e criada no Nordeste brasileiro, “o fim do mundo é a nossa casa”.

Em Antropocenas não se nega este fim do mundo, mas pensa-se em novos modos de existência, na reavaliação daquilo que se considera humano e não-humano. Aqui há sacos de plástico que se suicidam, corpos que são regados, uma escultora (Alexandra Ferreira) que quase se funde com o mármore em que trabalha, e um “santuário terapêutico” em vídeo de Pedro Neves Marques. Há também o corpo de Ana Rita Teodoro, que se aproxima “da morte e dos bichos” através do butoh, plantas que são tratadas como se fossem família por José Vilarinho, um dos últimos topiários de Portugal, e tambores que são tocados e massajados pelo músico Winga Kan. O ritmo é, aliás, um elemento importante. Tanto para a Ana Pi, cujo trabalho está intimamente conectado com as danças urbanas e as “danças rituais relacionadas com a diáspora negra”, como para Rita Natálio, que o usa para “tirar a teoria do lugar dos conceitos”.

Não se trata de resolver um problema, mas de reconhecer que ele existe e “ficar com ele, lidar com ele”, concluem os criadores. E para ajudar a lidar com ele há também convidados que farão uma mini-conferência em cada espectáculo: em Guimarães será o botânico Manuel Fernandes, em Lisboa a jurista e doutoranda em Direito do Mar Maria Inês Gameiro e o escultor Pedro Fazenda, que falará sobre extracção de mármore de uma perspectiva geopolítica. 

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