O mundo digital aumenta ou diminui a distância entre médico e doente?

Estaremos todos conscientes do verdadeiro impacto desta evolução em vários sectores da nossa vida?

O mundo digital já não é uma possibilidade futura, vivemos num presente em que o desenvolvimento tecnológico e a conectividade digital são omnipresentes no quotidiano de cada vez mais pessoas.

No que ao desenvolvimento tecnológico e à nova era digital diz respeito, não estamos, portanto, no registo das opções, incluindo a negação, mas da nossa atitude perante a realidade. Mas estaremos todos conscientes do verdadeiro impacto desta evolução em vários sectores da nossa vida? Estaremos a recolher o máximo benefício da tecnologia em áreas cruciais, como a Medicina? Como se desenha o futuro?

Hoje em dia, o entrelaçar do digital e da medicina já faz parte da prática clínica. Por exemplo, através da receita eletrónica, da cirurgia com recurso a robôs, dos pacemakers ou mesmo nos conceitos cada vez mais utilizados de e-Health. Estas e outras questões serão alvo de debate na Conferência de Medicina Humanizada num Mundo Digital, que junta personalidades ligadas à área da saúde, associações de doentes, sociedades científicas, diretores hospitalares e das principais universidades de Medicina em Portugal. A diversidade de origens e formações só poderá enriquecer o debate sobre as transformações em curso e os caminhos a definir para que a Medicina num Mundo Digital não precise de se interrogar sobre a sua identidade.

Porque falar de Medicina Humanizada num Mundo Digital implica assumir a existência do risco de desumanização — e baixa de eficácia! — da Arte da Medicina, quando esta se articula com os mais recentes avanços científicos. A armadilha mais grave é desprezar a dimensão fundamental da profissão — a consulta e o diálogo entre dois sujeitos participativos, um especialista em doenças e outro na "sua" doença, em busca do encaixe de modelos explicativos que permite a indispensável aliança terapêutica e possibilita decisões partilhadas quanto ao tratamento.

Acresce que, na relação médico-doente, para além das competências comunicacionais, importa não esquecer que o cuidar é tão importante como o curar. Sobretudo em sociedades envelhecidas, em que as doenças crónicas são cada vez mais frequentes, implicando acompanhamentos longos e verdadeiros cocktails de medicação que obrigam a constante bom senso no avaliar das possíveis reacções adversas. O papel do médico torna-se, assim, mais abrangente no acompanhamento dos seus doentes, por forma a assegurar que têm a melhor qualidade de vida possível, respeitando a especificidade de cada um.

Com as novas tecnologias, a Medicina encara as duas faces da moeda: através dos avanços tecnológicos é possível uma melhor e maior partilha de informações entre as diversas unidades de saúde, torna-se mais fácil o acompanhamento e monitorização dos doentes, bem como é potenciada a rede de referenciamento; por outro lado, espreitam a ameaça de uma burocratização que soterra os profissionais sob uma chuva de pedidos de indicadores que quase não permite levantar o olhar para o doente à nossa frente; ou a tentação de confiar o diagnóstico e o seguimento a baterias de análises cada vez mais minuciosas, levando a uma prática da Medicina centrada no médico e não no doente. Que deve ser escutado e não apenas ouvido, ele é um sujeito da relação e não o seu objecto.

Assim, os bem-vindos avanços tecnológicos em nada impedirão uma medicina cada vez mais personalizada no futuro. Bastará que os utilizemos como ajudas preciosas à única abordagem correcta — “aquele” doente não é portador de uma doença teórica, mas de queixas específicas, moldadas por uma individualidade física e psicológica, pelo contexto e pela história vida. Só desse modo conseguiremos tratar a pessoa inteira. Como é seu direito e nosso dever.

 

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