“Sem diálogo, o parlamento catalão vai declarar a independência”

Sábado vai activar-se a aplicação do artigo 155º da Constituição e saber-se-á como e em que áreas de poder da Generalitat irá Madrid interferir. À reunião do executivo seguir-se-á a primeira no Senado.

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O funcionário de uma fábrica acaba uma bandeira de Espanha Juan Medina/Reuters

Os governos da Catalunha e de Espanha continuam sem encontrar uma base comum que permita resolver a crise aberta pelo processo independentista catalão – e pela recusa em discuti-lo ao longo dos últimos anos por Mariano Rajoy. Para o primeiro-ministro, a carta recebida por Carles Puigdemont não é clara sobre se a independência foi ou não declarada e os procedimentos para activar o artigo da Constituição que permite ao Estado assumir competências da Generalitat estão em marcha.

Se em política não há impossíveis, é difícil antecipar um cenário que evite o recurso de Rajoy (apoiado por PSOE e Cidadãos) àquilo que políticos e analistas chamam frequentemente a “bomba atómica” constitucional. Estava o chefe de Governo de partida para a cimeira europeia de Bruxelas e já se sabia que o conselho de ministros extraordinário onde se aprovará a forma de aplicação do artigo 155º da Constituição vai acontecer sábado de manhã – logo depois, reúne-se a Mesa do Senado para receber as medidas desejadas pelo Governo e agendar o seu debate.

Do mesmo modo, é quase certo que esse passo levará os catalães a declararem formalmente a independência. Nesse cenário, a Generalitat admite que Puigdemont seja detido, acusado de “sedição” ou “rebelião”, uma possibilidade que consideram bastante provável desde que, na segunda-feira à noite, uma juíza decretou a prisão preventiva de Jordi Sànchez e Jordi Cuixart, presidentes das duas principais associações independentistas, a Assembleia Nacional Catalã e a Òmnium.

Uma semana é o mínimo de tempo previsto para o processo que se abrirá no Senado – convocatória de uma comissão (a das Autonomias ou uma mista, com membros das comissões das áreas de poder que se prevêem ser afectadas na Catalunha) para debater as propostas concretas planeadas, seguido de um novo requerimento a Puigdemont, que terá um prazo curto para responder, e do envio da proposta (que pode ser alterada) para votação no Senado (onde o PP tem maioria absoluta).

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Soraya saenz de Santamaria, responsável pela coordenação da resposta governamental para a Catalunha, e Mariano Rajoy Juan Medina/REUTERS

Na prática, a intervenção do Estado na Catalunha nunca será aprovada antes de sexta-feira, dia 27 de Outubro, e o mais provável é que acabe por se concretizar só na segunda ou terça-feira seguintes, 30 e 31 deste mês.

Entretanto, em Barcelona, muitos apostam que já estará feito o que até aqui se evitou: uma proclamação solene e unilateral da independência. Na quarta-feira à noite, o presidente da Generalitat recebeu o aval da comissão política do seu partido (PDeCAT) para o fazer (caso estivesse em cima da mesa o 155º) e já se sabia que é essa a vontade das restantes formações secessionistas. A alternativa, oferecida por Rajoy e pelos socialistas, a convocação de eleições autonómicas antecipadas, é afastada por todos os partidos independentistas, integrem ou não a coligação no poder (Juntos pelo Sim).

Na carta a Rajoy, Puigdemont repete que a declaração de independência foi suspensa para dar tempo a um diálogo directo entre Barcelona e Madrid (que o Governo sempre rejeitou, exigindo antes que a Generalitat e o parlamento declarassem mortas as leis do Referendo e da Transitoriedade, entretanto declaradas inconstitucionais pela Justiça, assim como o próprio referendo de 1 de Outubro) e afirma que “essa suspensão continua vigente”.

No fim da missiva, o líder catalão diz ainda por outras palavras que não houve declaração de independência: “Se o Governo do Estado persiste em impedir o diálogo e continuar a repressão, o parlamento poderá proceder, se o considerar oportuno, a votar a declaração formal de independência que não se votou no dia 10 de Outubro”, data em que Puigdemont falou aos deputados para apresentar os resultados do referendo.

“Não é uma saída”

A interpretação da Moncloa (palácio sede do Governo, como se lê no comunicado divulgado dez minutos depois da carta de Puigdemont lá chegar, é que este não “informou de forma clara e precisa se alguma autoridade catalã declarou a independência dessa comunidade autonómica”, um requerimento que incluía ainda um apelo “a restituir a ordem constitucional alterada”, o que também não sucedeu. “Como consequência, o Governo continuará com os trâmites previstos no artigo 155.º da Constituição para restaurar a legalidade e o autogoverno da Catalunha”.

Como é que isto se faz ninguém sabe. O artigo é omisso quanto ao âmbito e Madrid quer evitar que os catalães percepcionem a sua interferência como “um governo de ocupação”. O PSOE, em negociações permanentes com o PP sobre as medidas a aplicar, defende “uma intervenção muito limitada e breve no tempo” que abra caminho, o mais cedo possível, à realização de eleições autonómicas. Já os conservadores têm muitas dúvidas sobre se o artigo lhes permite convocar eleições, apesar de admitirem que esse é o objectivo último deste processo.

“Uma autêntica caixa de Pandora que ainda ninguém tinha aberto. Uma vez posto em marcha, é imprevisível como se executa e quando e como acaba”, escreve sobre a activação do 155.º o jornalista, escritor e filósofo Josep Ramoneda. “Sem dúvida que pode servir para bloquear o processo independentista. O Estado tem força e recursos de sobra para isso”, continua, na sua última coluna no jornal El País. “Mas não é uma saída. Quando se restabeleça a normalidade económica o soberanismo continuará ali e o desapego e o ressentimento serão ainda maiores”.

Sábado, horas depois do conselho de ministros e da reunião da Mesa do Senado, a dimensão do ressentimento actual ficará de algum modo expressa na manifestação de Barcelona em protesto pela detenção dos dois Jordis.

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