Os EUA têm um carro de combate, os europeus 17

Mihnea Motoc diz que a defesa é uma prioridade europeia e é um dos temas da cimeira europeia que começa hoje em Bruxelas. A Comissão propõe uma União Europeia de Defesa em 2025. As propostas estão preparadas. Tudo depende dos Estados-membros.

Foto
Rui Gaudêncio/PÚBLICO/Arquivo Exercícios da NATO em Grândola

Mihnea Motoc, conselheiro de Jean-Claude Juncker para a política de segurança e defesa, passou por Lisboa numa ronda pelas capitais europeias, para avaliar a vontade de cada um. Já foi ministro da Defesa da Roménia e chefiou a representação permanente do seu país em Bruxelas.

Jean-Claude Juncker anunciou no seu discurso do Estado da União que seria desejável uma União Europeia da Defesa já em 2025. Não lhe parece demasiado ambicioso?
É ambicioso, concedo. Mas, por outro lado, foi bem pensado. O presidente da Comissão também disse que era preciso esperar pela cimeira extraordinária, agendada para 30 de Março de 2019 [a negociação do Brexit tem de estar concluída na véspera], na Roménia. É o momento para a Europa começar a pensar no seu futuro e nos projectos de longo prazo que esta Comissão começou a preparar, de forma a torná-los realidade. O que ele disse foi que, a partir desse momento, é preciso encontrar um acordo sobre a União Europeia da Defesa. A data já está incluída, como ponto de referência, nos três cenários sobre a segurança e defesa europeia, na sequência do Livro Branco: “cooperação”, “partilha” e “integração”. Se me pergunta se não será demasiado cedo, eu respondo-lhe que, se não houver uma data que esteja próxima, ninguém se vai preocupar com isso. Além disso, tudo o que está pensado cabe nos tratados existentes.

Nomeadamente, a “cooperação estruturada permanente” (PESCO), que está prevista no Tratado de Lisboa. É este o caminho a seguir?
A expectativa é ter o maior número de países a integrar esta estrutura desde o início. Estamos a debater qual seria o número mínimo de participantes na primeira fase. Há quem defenda que, se forem apenas 15, será um número inferior aos países que já aceitaram o Procurador Público Europeu. Por isso, defendem um mínimo de 20 países.

Quinze já são muitos, se tivermos em conta que a Defesa não é apenas sobre capacidades militares, é também sobre uma estratégia comum para as utilizar. Essa visão comum sobre os riscos e as ameaças ainda não existe.
Sim, tem razão. Mas queria regressar a um ponto que referiu no início. Há já coisas feitas. Quando falamos de Política de Segurança e Defesa Comum, já temos 35 missões da União Europeia. O que a Comissão defende é um pacote abrangente de medidas com várias componentes. A primeira é a visão de futuro, com os três cenários que já referi, ou seja, as alternativas que estamos a propor aos Estados-membros, com velocidades diferentes, calendários diferentes e níveis de ambição diferentes. Começámos de forma pragmática, sugerindo, por exemplo, um avanço na cooperação em matéria de capacidades militares, o que não é a regra hoje em dia. Temos de avaliar também quais são as missões que podemos realizar. Neste momento, estamos envolvidos apenas na resolução das crises. Podemos ir mais longe. Mas também não estamos a confundir a defesa europeia com a NATO, que é sobre defesa colectiva e vai continuar assim no futuro. Não há qualquer confusão sobre os papéis que cada uma das organizações tem de desempenhar. Só que, entre o Artigo 5.º e as missões de gestão de crises, há muita coisa a fazer para proteger a Europa.

O presidente da Comissão tem dito várias vezes que o “Brexit” leva com ele o veto do Reino Unido à ideia de uma defesa europeia autónoma. Mas o problema é que leva também as tropas. Não há aqui uma contradição?
Ele lamenta a decisão do Reino Unido de sair. Mas, em matéria de defesa, não devemos encarar a saída como um jogo de soma zero entre perdas e ganhos. Partilho, no entanto, a sua ideia de que haverá perdas no estatuto global da União Europeia. Mas é ainda cedo para falar daquilo que resultará da saída do Reino Unido. Primeiro, temos de nos concentrar naquilo que a Europa pode fazer a 27.

Queria voltar à ideia de uma visão comum sobre as ameaças e os riscos. Na Europa de Leste, o perigo é a Rússia. Para outros países, mais a Sul, os riscos vêm do Médio Oriente e de África. Como é que se cria uma percepção comum?
Tenho bastante experiência nestas questões, desde o tempo em que fui ministro da Defesa da Roménia [Novembro 2015- Janeiro de 2017] e trabalhei bastante com o meu colega português. Creio que é possível chegar a uma sensibilidade comum em todo o espectro de riscos e ameaças, através da NATO. É essa a minha experiência. A Roménia contribui bastante para a contenção dos riscos a Sul e Portugal participou nas missões da NATO nos Bálticos. Mas é verdade aquilo que diz, que é preciso melhorar as nossas percepções comuns em várias áreas. Vamos ter uma melhor compreensão desses interesses, quando os Estados-membros tiverem de decidir sobre a PESCO (Cooperação Estruturada Permanente], porque isso significa que aceitam uma lista de compromissos.

O presidente da Comissão já criticou a meta dos 2% definida pela NATO para os orçamentos de defesa. A Europa precisa de mais capacidades e mais autonomia, mas não quer gastar mais dinheiro?
O objectivo dos 2% é um compromisso dos membros da NATO. Na União, a abordagem é um pouco diferente. Mesmo que não houvesse esse apelo de Washington, teríamos, enquanto europeus, de assumir mais responsabilidade pela nossa própria segurança. O que a Comissão propõe, no seu “pacote” legislativo, é que não se trata de gastar mais, mas sim de gastar melhor e em conjunto. Se todos gastássemos 2%, isso representaria mais 80 mil milhões em termos globais. O problema é que temos o mesmo número de tropas que os EUA, mas só conseguimos fazer um quinto do que os EUA fazem. É também por questões de interoperabilidade, que resulta da fraca cooperação entre os Estados-membros.

No que respeita à indústria de defesa e à investigação de ponta que ela desenvolve, a distância entre a Europa e os EUA é enorme. A Comissão apenas prevê 25 milhões para esse objectivo, o que parece muito pouco.
É ainda uma acção preparatória, para testar como poderá funcionar. No total, são 90 milhões até ao final deste primeiro “pacote” (final de 2019). A ideia é ser um ponto de partida e creio que já está a dar frutos. Recebemos em Junho os primeiros projectos de investigação militar. A expectativa é que os primeiros contractos sejam assinados até ao final do ano, naquilo que diz respeito à investigação. Em matéria de desenvolvimento em capacidades, é um pouco diferente. A base legal é a política industrial: apresentámos uma nova regulação para projectos comuns nesta área, que o Conselho e o Parlamento Europeu têm agora de aprovar. Temos previsto 250 milhões. Depois disto, é preciso transpor estas medidas para o próximo orçamento plurianual, a partir de 2020, como uma nova área política: 500 milhões para investigação por ano e mil milhões para o desenvolvimento das capacidades. É esta a nossa proposta. Isso fará da Europa, em matéria de investigação, um dos maiores investidores públicos. E representa apenas parte das verbas para a investigação dos Estados-membros.

Em matéria de interoperabilidade, o que vemos é que os Estados Unidos têm um carro de combate…
E nós temos 17.

Nos aviões e noutro armamento é a mesma coisa. Como é que se resolve isto?
Esse é um dos nossos objectivos. Actualmente, esta fragmentação tem duas consequências. Não se estão a realizar poupanças que poderiam reduzir os gastos num valor muitíssimo significativo. Esta diversidade dos equipamentos gera problemas de interoperabilidade, impedindo, por exemplo, a capacidade de agir em conjunto, com consequências também na NATO.

Não será uma tarefa fácil. Basta olhar para a França que não quer perder a sua autonomia.
Não estou a dizer que é para acabar com as indústrias nacionais, por que não vai ser assim. Estou a dizer que é preciso um nível mais elevado de estandardização.

A Alemanha será um país indispensável em matéria de gastos com a defesa?
Permita-me não falar apenas da Alemanha, mas da cooperação estreita entre a Alemanha e a França, um factor essencial para fazer avançar as coisas também neste domínio. Tem havido uma cooperação estreia entre os dois países para uma liderança comum neste domínio. Mas não é apenas a França e a Alemanha. A Itália e a Espanha já se juntaram aos seus planos. É bom que haja também propostas dos outros países. Há já algumas em cima da mesa e creio que haverá ainda mais quando chegarmos à fase da implementação deste pacote.

Sugerir correcção
Ler 4 comentários