Não queremos que sejam os contribuintes europeus a pagar o 'Brexit'

Guy Verhofstadt, chefe do grupo liberal e coordenador do Parlamento Europeu para o "Brexit", teme que os cidadãos sejam as principais vítimas da saída do Reino Unido da UE.

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Guy Verhofstadt diz que as palavras da primeira-ministra britânica têm de se traduzir em actos concretos nas negociações Francois Lenoir/REUTERS

Quando se temia que o "Brexit" tivesse um efeito dominó, e desencadeasse outras saídas da União Europeia, aconteceu o inverso. "Há cada vez mais Estados-membros favoráveis a uma refundação da UE baseada nas ideias iniciais dos “pais fundadores”, diz Guy Verhofstadf, o representante do Parlamento Europeu para as negociações do "Brexit". "Temos  uma oportunidade única de reformar a UE nos próximos dois anos."

Após a quinta ronda de negociações do "Brexit", o negociador da UE Michel Barnier constatou um impasse, sobretudo no que toca à factura de saída. Esta situação é preocupante…
Haverá um acordo, porque é do interesse dos dois lados. Mas estamos a passar por um período difícil, isso é claro, porque não podemos falar do futuro da relação entre o Reino Unido e a União Europeia se não houver clareza sobre as condições de saída.  Ainda não há progressos suficientes.

Porque há falta de progressos nas negociações?
Constatamos todos os dias na imprensa britânica que há discussões no seio do Partido Conservador. Há os que querem uma saída abrupta sem acordo e há os que querem continuar a pertencer à UE. Há certamente um problema e é grave porque devemos estar preparados para um acordo de saída em Outubro de 2018, dentro de um ano.

Os 27 devem dar um sinal de abertura ao Reino Unido e anunciar que começam já a preparar-se para negociar a futura relação com Londres? Isso não é uma concessão?
Não creio. Seria surpreendente que os 27 não se preparassem. Dizer isso nas conclusões [de uma cimeira] não custa nada e dá um sinal positivo. Na minha opinião, é necessário agora que as palavras da senhora Theresa May se traduzam em gestos concretos à mesa das negociações.

Enquanto coordenador do Parlamento Europeu (PE) para o "Brexit", o que pode dizer aos cerca de 400 mil portugueses e aos outros europeus que vivem no Reino Unido sobre o seu estatuto após a saída do país da UE?
São esses mais de três milhões de europeus que nos preocupam mais. Temo que estes europeus sejam vítimas destas negociações. É preciso evitar isso. Mais importante do que o acordo financeiro, há que garantir que os seus direitos sejam assegurados, que os seus direitos actuais não mudam. Sobretudo, preocupa-me a proposta britânica de obrigar todos os cidadãos europeus a pedirem um novo estatuto. Isto quer dizer que cada membro das suas famílias terá que preencher um pedido para poder ficar no Reino Unido, que devem provar há quanto tempo aí residem. O PE defende a continuidade dos direitos destes cidadãos e que sejam atribuídos colectivamente, para que os portugueses e outros não tenham que apresentar um dossier individual. É o mesmo estatuto que queremos dar aos britânicos que vivem ou querem viver no continente.

Nada deve mudar no estatuto destas pessoas. Elas não devem ser as vítimas da decisão do Governo britânico.

Neste momento, não podemos excluir que os contribuintes europeus venham a pagar o "Brexit"…
Não queremos isso. Não queremos que haja um problema de pagamentos em 2019/2020. A senhora May disse que estava de acordo e que os britânicos vão pagar o que devem em 2019-2020. Mas também não queremos que haja um buraco no próximo quadro financeiro plurianual pelo facto de o Reino Unido sair da UE e que venham a ser os contribuintes europeus a pagar. 

O futuro da Europa após o "Brexit" passa necessariamente por uma Europa a várias velocidades, com um grupo de refundação?
Essa nem é uma questão, porque já existe na realidade. Neste momento existem 12 uniões europeias diferentes. Temos 12 velocidades.

O presidente Juncker propõe que os 27 caminhem ao mesmo ritmo…
Também acho que devemos tentar. Há a Europa do Euro, de Schengen, da Convenção de Prüm sobre cooperação judiciária, do mandado de detenção europeu, da patente europeia… Ao todo vejo 12 uniões europeias diferentes. Portanto mais diferenciação? Não. Eu diria que o objectivo é que todos os Estados, ou quase todos, participem em todas as cooperações europeias e se há excepções que sejam apenas isso. Hoje cada um escolhe a sua cooperação europeia. Não podemos continuar assim, a UE tornou-se ilegível devido a este método. O que quero é um sistema em que os Estados-membros participam em tudo. Se não querem participar podem tornar-se numa espécie de membros associados.

O presidente Macron apresentou um plano ambicioso para refundar a Europa. Acha que há condições políticas para esse relançamento?
Sou um optimista mas acho que sim. Há cada vez mais Estados-membros favoráveis a uma refundação da UE baseada nas ideias iniciais dos “pais fundadores”. Naturalmente, há sempre quem não esteja de acordo. Mas há uma massa crítica suficiente no Conselho e no Parlamento Europeu para o fazer, o que não era o caso há alguns anos. Por exemplo, agora há um apoio maciço favorável a uma lista transnacional (de eurodeputados). Há uns anos era apenas um desejo dos federalistas. Há uma geração de políticos europeus pronta para realizar o sonho inicial dos “pais fundadores” e de criar uma democracia ao nível europeu que não existia até agora. E isso deve-se também ao "Brexit". 

Mas os populismos e a extrema-direita também ganham força. 
Não podemos dizer que na Alemanha a extrema-direita possa bloquear as coisas, são os pró-europeus que vão dirigir o governo. Na Holanda, temos um governo pró-europeu e a extrema-direita populista e nacionalista não faz parte. O Presidente Van der Bellen na Áustria foi eleito com os votos dos pró-europeus. Macron fez campanha pela Europa e ganhou. Também se vê isso nas sondagens. Desde o "Brexit" que o apoio ao projecto europeu aumentou maciçamente em quase todos os Estados-membros. Isso não quer dizer que a batalha esteja ganha. Há uma responsabilidade para quem está no poder de realizar as reformas necessárias. Se não demonstrarmos que a Europa funciona haverá um regresso dos nacionalismos.

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