Moradores de Guimarães insistem num jardim em vez de estacionamento na Caldeiroa

Presidente da câmara diz que a obra para parquear mais de 400 automóveis a sul do centro histórico pode arrancar já neste ano mas a Assembleia Popular da Caldeiroa decidiu continuar a defesa de um jardim público. A comissão portuguesa do ICOMOS emitiu uma parecer negativo à obra.

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ENRIC VIVES-RUBIO

A luta para transformar o interior do quarteirão das ruas de Camões, da Liberdade e da Caldeiroa, todas elas estreitas, em paralelo, num jardim público rodeado pelas traseiras dos edifícios de habitação, ao invés do parque de estacionamento para mais de 400 viaturas, cuja construção está prevista arrancar ainda neste ano, vai continuar, afirmou ao PÚBLICO Max Fernandes, porta-voz da Assembleia Popular da Caldeiroa, movimento sem “hierarquias”, que, há uns dias, acolheu 22 pessoas na sua oitava reunião e aprovou por “unanimidade” a medida.

Esta associação informal, que pretende, no futuro, ter “reconhecimento jurídico”, começou a reunir-se no ano passado em oposição ao parque, adjudicado, a 25 de Maio, pela Câmara Municipal à empresa HCI Construções por cerca de 5,8 milhões de euros. Argumenta que a obra iria ditar a saída dos seis artistas — agora dois — que lá trabalhavam e originar problemas de “saúde pública” e de “urbanismo”.

Nesta fase, Max Fernandes, um dos artistas ainda instalado numa das antigas fábricas do quarteirão, argumenta que, em sentido inverso, o jardim público daria à cidade um espaço tranquilo, com apenas duas entradas e propício a “banhos de sol no Inverno”, dada a “excelente exposição solar”, onde seria fácil imaginar “crianças a jogar futebol e pessoas deitadas na relva”.

O novo espaço evitaria mais “trânsito no centro da cidade” e criaria ainda, graças ao seu “solo permeável, uma ligação de contraste” com o Largo do Toural, ali próximo, que, na sequência da requalificação para a Capital Europeia da Cultura, em 2012, ficou com o solo “todo impermeabilizado”, provocando, segundo um estudo de 2013, da Universidade do Minho, divulgado no blogue da Assembleia na sexta-feira, um “nível médio” de poluição, que, segundo os critérios da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), não deve ser acessível a “crianças e idosos com problemas respiratórios”.

O presidente da Câmara de Guimarães, Domingos Bragança, reiterou, no entanto, ao PÚBLICO, que o parque de estacionamento é um projecto que, além de já ter sido “adjudicado” e recebido o visto do Tribunal de Contas, integrava o programa eleitoral do PS já em 2013 e foi “sufragado” pelos vimaranenses tanto há quatro anos como nas autárquicas de 01 de Outubro, nas quais foi reeleito com maioria absoluta.

O parque de estacionamento, constituído por quatro níveis, que se distribuem em dois volumes de três andares, já está nas “mãos da construtora” e pode avançar a qualquer momento, inclusivamente já neste mês, confirmou o autarca, realçando que a obra vai “compensar os lugares perdidos com a pedonalização total do centro histórico”.

Na proposta de utilidade pública da expropriação de 14 parcelas do quarteirão, cujo valor ascendeu aos 672 mil euros, a Câmara refere que a nova valência vai colmatar, além da diminuição da oferta, o aumento da procura por estacionamento gerado por factores como o “aumento da procura turística”, a subida do número de eventos culturais desde 2011 e a “recuperação da actividade económica”.

Apesar da obra poder arrancar a qualquer momento, a Assembleia Popular quer “pedir autorização à Câmara Municipal” para uma visita aberta à comunidade, acompanhada de algum técnico municipal, para sensibilizar a autarquia para o potencial do local enquanto parque, devido ao “solo fértil”, visível pelas escavações arqueológicas já em curso, e pondera, eventualmente, interpor uma acção jurídica para travar o processo.     

Parque recebe parecer negativo do ICOMOS

A autarquia vimaranense solicitou, no âmbito da proposta de alargamento da área classificada como Património Mundial da Humanidade à zona de Couros, enviada à UNESCO em 2015, um parecer à Comissão Nacional Portuguesa do Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios (ICOMOS). O PÚBLICO confirmou que esta entidade avaliou negativamente o projecto, tal como tinha avançado o semanário local Mais Guimarães.

“Demos ao parque de estacionamento um parecer não positivo, mas não vinculativo”, disse a presidente do Conselho de Administração da instituição, Maria Ramalho, explicando que a obra, pelas dimensões e pelos impactos irreversíveis que vai gerar,entra em contradição com a proposta relativa à zona de Couros, que prevê uma área de 44 hectares de Património Mundial e uma área protegida de 582 hectares, que se estende da Veiga de Creixomil até à igreja da Penha.

Maria Ramalho explicou ainda que a obra exige demolições, construção de áreas de entrada e saída de carros e vai afectar zonas verdes do quarteirão, onde existem, lembrou, alguns antigos tanques que, segundo as indicações que recebeu, vão ser protegidos, apesar da sua extensão ser ainda desconhecida.

Já o arquitecto Ivo Oliveira, docente na Escola de Arquitectura da Universidade do Minho (UM), que participou na sessão de esclarecimento sobre a obra na Sociedade Martins Sarmento, a 23 de Maio, afirmou ao PÚBLICO que o parque contraria o paradigma cada mais presente no mundo ocidental, em que as pessoas aparcam os automóveis numa “área de estacionamento com capacidade” junto a uma circular, e percorrem, depois, a cidade em “modos suaves”, mencionando ainda que Guimarães tem parques “muito subaproveitados”, sobretudo em áreas comerciais — a cidade tinha, em 2015, segundo o Plano de Mobilidade Urbana Sustentável, elaborado pela câmara, 13.534 lugares de estacionamento.

Por outro lado, o investigador da UM considera que a criação de um jardim rodeado de habitações, que apesar de público é sobretudo usado por moradores, tem potencial para criar “uma certa noção de comunidade”, à semelhança de certas zonas residenciais em cidades do norte da Europa, onde o espaço não é “fechado à chave” ao resto da população mas há um “sentimento de pertença”.     

     

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